A PANDEMIA E RESPONSABILIZAÇÃO

Uma das discussões recorrentes que temos acompanhado ao longo da pandemia é a possível responsabilização de gestores e profissionais da saúde por suas ações (ou omissões).

A verdade é que o cenário atual é realmente desafiador, e uma das maiores dificuldades que enfrentamos é justamente a falta de previsibilidade. O ser humano, em geral, gosta de trabalhar com aquilo que já conhece, e por isso mesmo, o receio do novo, ou do desconhecido. Ainda pior se esse “desconhecido” representar algum risco a sua vida.

Digo tudo isso para contextualizar o tema do ponto de vista de responsabilidades. Não parece razoável que se exija, nesse momento, condutas padronizadas ou mesmo integralmente assertivas, especialmente daqueles que estão na linha de frente de combate ao vírus.

Muitos protocolos, pesquisas e ideias surgem diariamente, e nos parece evidente que todos buscam sempre o acerto.

Igualmente refuto a ideia de sempre se aguardar o melhor momento ou melhor protocolo para agir, afinal a omissão (ou não agir) também pode representar motivo para responsabilidade.

Sendo assim, qual será o contexto de responsabilidades nesse momento de pandemia, e especialmente, quando tudo isso cessar? Como serão entendidos os atos daqueles que precisaram, por um motivo ou outro, agir nesse momento?

É uma pergunta difícil, mas de todo modo nos parece que dois elementos devem ser considerados.

O primeiro é que apesar das mudanças diárias e desafios constantes – que não admitem a omissão ou falta de ação – o direcionamento científico deve prevalecer.

Quero dizer que reiteradas decisões judiciais, inclusive do STF quando da análise da Medida Provisória 966/2020 (que trata sobre a responsabilização dos agentes públicos durante a crise de saúde pública) têm direcionamento no sentido de que devem ser seguidos critérios científicos e técnicos.

O que é possível extrair sumariamente dessas decisões é que se compreende o momento de pandemia, e que o acerto integral do gestor (e profissionais da saúde) não será possível. Mas, simplesmente negar a ciência ou critérios técnicos pode – e deve – ensejar responsabilização posterior, afinal caracterizaria “erro grosseiro” ou mesmo “negacionismo científico” como destacou o Ministro Luiz Fux.

Portanto aos gestores e profissionais em geral parece ser razoável que sigam orientações e protocolos científicos pois assim resguardariam sua atuação e teriam respaldo posterior para defender os motivos pelos quais atuaram de determinada forma naquele momento, argumento que nos parece suficientemente razoável e forte para afastar a responsabilização.

Um segundo ponto importante é que o próprio Poder Judiciário está diante de um cenário igualmente novo. Nos últimos anos temos buscado privilegiar no Brasil a ideia de precedentes, o que significa que os juízes e Tribunais devem seguir aquele entendimento que vem sendo consolidado. A ideia, portanto, é evitar surpresas e que tenhamos um ordenamento jurídico mais íntegro e coerente.

Contudo, conforme magistralmente relatou o professor William Pugliese no site Conjur no texto nominado “Como aplicar a teoria dos precedentes a um momento sem precedentes” qual deve ser o direcionamento dos juízes e Tribunais se jamais vivenciamos algo parecido anteriormente?

Bem por isso o caminho acertado parece aquele defendido no artigo referenciado, de que as decisões nesse momento devem se ater as necessidades atuais, se valendo da experiência do julgador, do bom senso e sempre que possível de critérios técnicos e científicos.

E, tão longo encerrada a pandemia, tais precedentes desse “momento de exceção” não deverão mais ser considerados, afinal a vida voltará ao normal.

Em resumo a preocupação com a responsabilização – em todas as esferas – é muito relevante, afinal além de ter de agir durante a pandemia, os profissionais e gestores não podem perder de vista que seus atos terão consequências para muito além desse momento.

De todo modo ao seguir critérios técnicos e científicos e agir dentro de uma razoabilidade, nos parece que será sempre suficiente para afastar questionamentos futuros, afinal não se pode exigir de ninguém nada para além disso num momento tão delicado, especialmente dos gestores e dos profissionais da saúde.

Por fim esperamos que o Poder Judiciário, caso tenha de analisar esses casos num futuro breve, igualmente tenha a sensibilidade necessária, entendendo que todos estamos passando por um momento de enorme pressão e medo, notadamente aqueles que estão na linha de frente de combate a COVID, e assim sopesem tais elementos afastando condenações injustas. Esse nos parece o mais elevado espírito de justiça ao analisarmos essa época verdadeiramente sem precedentes.

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