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A falácia brasileira da “prioridade à educação” e o modus operandi do desmonte das políticas públicas educacionais, tendo como último expoente a lógica perversa da PEC Emergencial

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Conhecidos chavões retóricos como: “A educação é prioridade nacional”; “a educação é o futuro do país”; “a educação é um direito essencial do cidadão brasileiro” ou, ainda, “a educação é a base do desenvolvimento”, são obviedades que se repetem à exaustão nos discursos enlatados proferidos rotineiramente nos palanques eleitorais ou até mesmo nos púlpitos das casas parlamentares. Contudo, via de regra, esse aparente engajamento social e político à pauta da educação pública no Brasil se reduz a essas frases de efeito, que são ditas de modo tão frívolo e inautêntico que não convencem nem mesmo às próprias autoridades que as pronunciam.  

O engodo subjacente a esses discursos se releva tão logo se desligam os holofotes, pois, em que pese a bem formulada legislação brasileira voltada à temática da educação, muito pouco tem sido feito para que se lhe dê a devida efetividade. Não por acaso, um observador da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco chegou a relatar (sendo repreendido pelas autoridades diplomáticas por sua contundente sinceridade) que “o arcabouço legislativo brasileiro relativo ao direito à educação é exemplar, mas é pouco mais do que mero adorno, emoldurado constitucionalmente, gracejando sem maior impacto na realidade nacional”.     

Não raro, os que se autoproclamam publicamente como entusiastas e apoiadores da causa da educação são os mesmos que, na privacidade dos gabinetes e nas articulações pouco ortodoxas dos bastidores da política, se esmeram na construção de narrativas que possam dar verniz republicano (e palatabilidade) aos atentados que sucessivamente vêm sendo engendrados em desfavor da educação pública. Aliás, há profusão de exemplos recentes de arranjos normativos e subterfúgios orçamentários intentados com o objetivo de escamotear o propósito de levar a cabo o desmonte e o desfinanciamento das políticas educacionais.     

Tanto é assim que, desde que foi aprovado (por determinação constitucional – art. 214), o Plano Nacional de Educação para o decênio 2014 a 2024 (Lei n° 13.005/2014) vem sendo negligenciado, notadamente no que se refere às metas cujo cumprimento exige esforço colaborativo mais consistente por parte do orçamento da União, de modo que, em uma análise realista, impõe-se reconhecer que o PNE 2014/2024 infelizmente está fadado a se tornar “letra morta” no ordenamento jurídico, eis que, já transcorridos 2/3 do decênio legal, se verifica que boa parte das metas prescritas no plano evoluíram em ritmo muito aquém do que seria necessário para chegarem no ano de 2024 (fim da vigência da lei) com indicadores próximos do que foi projetado para o período.

Tal abordagem cética quanto ao cumprimento do PNE não decorre de postura alarmista ou de exagero dramático para ilustrar o problema. A gravidade da situação é real, já que os Estados e Municípios (vitimados pelo modelo federativo desvirtuado que produz grande concentração da receita tributária em favor da União, bem como pela crise econômica, que já existia, mas se avultou em 2020 em razão da pandemia da Covid-19) têm visto reduzir drasticamente suas receitas de arrecadação própria, não conseguindo garantir, por meios próprios, os investimentos necessários para o alcance das metas do PNE.

Além disso, para desnudar a falácia brasileira da “prioridade em educação”, basta mencionar que, em 2020, sem que tenha havido o devido destaque na imprensa ou justa insurgência crítica por parte da sociedade civil, houve um contingenciamento recorde do orçamento do Ministério da Educação (MEC), resultando no menor investimento federal com educação básica desde o ano de 2010, conforme revelam dados oficiais do SIAFI sobre o histórico do orçamento federal e despesas com educação básica.

Ou seja, o MEC terminou 2020 com o menor orçamento e a menor execução financeira (dinheiro de fato investido) da década. O ano de 2020 fechou com R$ 41,6 bilhões empenhados (cerca de 10,2% menos em comparação com 2019), e apenas R$ 32,5 bilhões em despesas efetivamente executadas/pagas (11% menos do que em 2019). Em outras palavras, o MEC gastou menos recursos com a educação básica em 2020 do que tinha gasto em todos os anos anteriores desde 2010.

Em síntese, no ano de 2020, justamente em meio à pandemia de COVID-19, quando mais havia necessidade de recursos, houve menor investimento da União na educação básica, o que, evidentemente, é um contrassenso face aos impactos educacionais decorrentes da pandemia, eis que passaram a ser demandados novos investimentos para a necessária adaptação das redes de ensino à nova realidade das aulas remotas ou híbridas, bem como para as devidas adequações das escolas aos protocolos de segurança sanitária.

E, como se isso já não representasse dissabor suficiente, em 2020 o Brasil assistiu incrédulo à relutância inicial do Governo Federal em relação à aprovação do novo Fundeb e as articulações veladas das lideranças governistas no Congresso Nacional para retirar do texto do Fundeb a previsão de majoração progressiva do aporte financeiro da União a título de complementação, havendo, ainda, mais adiante, por ocasião da aprovação da lei que veio a regulamentar o novo Fundeb, tentativas (que felizmente, não lograram êxito)   de “pendurar” na conta da educação despesas de natureza assistencial que são estranhas à destinação constitucional dos recursos do Fundeb, que é adstrita ao desenvolvimento da educação básica e valorização do magistério.

Mas, ao chegar 2021, os ataques à educação pública não cessaram, haja vista o texto apresentado pelo Senador Márcio Bittar, Relator da chamada “PEC Emergencial” (PEC 186/2019), onde, a pretexto de promover ajuste fiscal (como se o investimento em educação fosse o real causador do grande desajuste ora verificado), propõe-se revogar trechos do Art. 212 da Constituição Federal, extinguindo a subvinculação dos recursos destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), tanto em nível federal como também nos Estados e Municípios.

O infeliz relatório contém dispositivos que propõem acabar com a subvinculação de recursos à MDE (que atualmente é de 25% da receita de impostos para os Estados e Municípios e de 18% para a União) ou, alternativamente, promover a unificação das vinculações que são destinadas às áreas da Educação e da Saúde, de modo que cada área deixe de ter vinculação em percentuais próprios, medidas essas que, alinhadas ao teor da congênere “PEC do Pacto Federativo” (PEC 188/2019) promoveriam, no dizer do relator, o “desengessamento do orçamento público, dando maior discricionariedade e liberdade ao governo, bem como garantindo espaço orçamentário para fazer frente ao pagamento das parcelas vindouras do auxílio emergencial”.

Contudo, em que pese o esforço eufemístico de tal relatório para fazer parecer críveis argumentos que, na verdade, suscitam sérios questionamentos técnicos e éticos, não há motivação que seja aceitável ou razoável para justificar uma proposição legislativa que promova o desinvestimento na educação pública (que é uma Política de Estado essencial e permanente) como alternativa para socorrer uma contingência momentânea (ainda que grave). Afinal, a Educação não pode ser “moeda de troca” nas negociações para a concessão das novas parcelas do auxílio emergencial.

O texto da PEC Emergencial, como está posto por seu relator (e coadunado com o texto da PEC do Pacto Federativo), se for aprovado incólume, fará com que a Educação e a Saúde se digladiem na busca por recursos, rivalizando com a Assistência Social, o que seria um desserviço para ambas as áreas (que passariam a ter orçamento interseccionado e sem vinculação percentual própria), razão pela qual é vital que, nas PEC´s mencionadas, sejam suprimidos os dispositivos que põem em risco a lógica atual da dupla vinculação.

Por certo, não há como questionar o propósito declarado da “PEC Emergencial”, já que a austeridade fiscal e a busca de meios para prover auxílio emergencial às camadas mais vulneráveis da população brasileira neste momento agudo da pandemia se mostram demandas autênticas e inadiáveis. Contudo, não há como deixar de denunciar o intento não manifesto da referida PEC, que é aproveitar-se da difícil circunstância do momento como pretexto para alterar a Constituição Federal, visando inserir nela dispositivos que, em verdade, revertem conquistas educacionais históricas, representando duro golpe no financiamento da educação básica pública.

Pondera-se, por fim, que nenhuma ação de assistência social que se considere como emergencial no momento (por mais legítima e necessária que seja, como de fato é) deve ser sustentada em sacrifício das políticas públicas que alicerçam o futuro do país, considerando que, ao acabar com as fontes vinculadas de financiamento da educação básica pública ou unificando as vinculações da Educação e da Saúde (como propõe a PEC Emergencial), o Brasil estará condenado ao agravamento de suas desigualdades socio-educacionais e, com isso, obstar o processo de emancipação social que só a educação pública de qualidade pode assegurar aos cidadãos, fazendo perpetuar a necessidade de políticas assistenciais cada vez mais abrangentes e onerosas.

Assim sendo, retrocedendo em garantias e em vinculações históricas relativas ao financiamento da educação básica pública no Brasil (que, a duras penas, possibilitaram os avanços educacionais obtidos nas últimas décadas em relação ao acesso e à equidade), a PEC Emergencial, ora pautada no Congresso Nacional, na forma do texto apresentado por seu Relator no Senado, é um acinte ao bom senso e clama por veemente rejeição por parte dos parlamentares verdadeiramente engajados com a causa da educação pública.

De outro modo, em sendo aprovado o texto atual da PEC Emergencial, os efeitos deletérios desse açoite ao direito fundamental à educação recairão sobre os cidadãos brasileiros e sobre o futuro do país, já que, optando por dar à educação valor apenas retórico (já que, na prática, a educação básica pública restará subfinanciada e esvaziada de meios efetivos para dar o salto qualitativo que ela ainda tanto necessita), o Estado brasileiro estará renunciando à oportunidade de pavimentar o caminho que pode abreviar o longo percurso que ainda nos afasta de níveis mais aceitáveis e condignos de desenvolvimento social e econômico.  

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