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Os “Auxílios” concedidos aos magistrados e a desfaçatez de seus fundamentos

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Um Poder Judiciário devidamente valorizado, isento, altivo e de notória estatura moral é pedra angular e fundante de qualquer sociedade que se pretenda justa e civilizada. Por isso, não há razão para submeter os membros da magistratura a ataques generalizados que injustificadamente culminam por desmoralizar tão nobre carreira pública, pois, como bem alerta Zaffaroni (1995)[1]: “o desprestígio e o ataque à magistratura livre fragiliza a própria concepção de democracia”.

Por outro lado, não há como admitir que qualquer categoria profissional (especialmente a que compõe a mais alta casta do funcionalismo público) se coloque “acima dos mortais”, invocando para si benesses e privilégios, tais como o “Auxílio-moradia” regulamentado em 2019 pelo CNJ e o “Auxílio-saúde” concedido recentemente pelo TJ/GO para todos os juízes e desembargadores goianos, incluindo ativos e aposentados (vantagem que, obviamente, já vem sendo reivindicada, em efeito cascata, por magistrados de outros estados, por membros do Ministério Público, da Defensoria Pública etc.), o que repercutirá em incomensuráveis impactos sobre a já combalida realidade orçamentaria dos Estados.

Cabe lembrar que tais “auxílios”, por terem natureza de verba indenizatória, não integram a base de cálculo da remuneração para fins de tributação e desconto previdenciário, sendo, portanto, ganhos “livres” de imposto de renda e de contribuição ao fundo previdenciário. Tratam-se, em linguagem bem objetiva, de ganhos complementares “por fora do salário fixo” que, na prática, permitem à magistratura burlar a vedação constitucional e auferir rendimentos bem superiores ao teto remuneratório do serviço público.

Os argumentos invariavelmente invocados pelas entidades classistas representativas dos magistrados para justificar tais benesses é que “a categoria está com os salários defasados e que tais auxílios devem ser concedidos para promover a devida recomposição salarial” e, ainda, que “são lícitos esses auxílios, já que previstos em lei e regulamentados pelo CNJ”.  Entretanto, tais argumentos não se sustentam à luz do bom senso e da ponderação que devem nortear a conduta pública nesse momento econômico tão sensível do país, já que, mesmo sendo “legais” do ponto de vista da previsão legislativa, os auxílios mencionados são absolutamente inaceitáveis sob o prisma ético e sob a égide da austeridade fiscal, que impõem o uso racional dos recursos públicos em atenção às demandas gerais da sociedade.  

É muito legítimo que qualquer categoria laboral (inclusive, mas não apenas a magistratura) tenha a recomposição salarial periódica em face das perdas inflacionárias, mas isso não significa dizer que, para compensar a falta de correção das defasagens salariais, seja correto  receber tais auxílios ou qualquer outro “penduricalho” pecuniário como subterfúgio para que os contribuintes sustentem, de maneira diferenciada, os já privilegiados contracheques

dos magistrados, em detrimento dos demais trabalhadores brasileiros que amargam, ano após ano, a estagnação salarial.


[1] Zaffaroni. Eugenio Raul. Poder Judiciário: crises, acertos e desacertos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

A bem da verdade, o estratagema corporativo que tem feito proliferar auxílios de natureza indenizatória em favor dos membros da magistratura (e das demais carreiras jurídicas públicas, em razão do efeito cascata), assim como a desfaçatez de seus argumentos, foram desnudados quando a liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux em 2014 (que autorizava  o pagamento do auxílio-moradia aos magistrados) foi revogada pelo próprio ministro Fux em 2018, reconhecendo então a ilegitimidade do aludido benefício, mas, a rigor, sabe-se que tal reconhecimento não teve qualquer efeito prático, já que, no “toma lá, dá cá” articulado na ocasião com o Congresso Nacional e o Presidente da República de então (Michel Temer), foi concedido um aumento salarial de 16% aos Ministros do STF e a todo o Poder Judiciário.

Evidenciou-se então que a abrupta (e conveniente) mudança de entendimento do Ministro Fux sobre o auxílio-moradia (que passou a ser visto como ilegítimo em 2018, mas que de 2014 a 2018 foi considerado pelo mesmo ministro como “direito inconteste” da categoria) não decorreu de argumentos jurídicos verdadeiramente voltados à extinção de tal benesse, mas tão somente da absoluta falta de efeito prático da revogação da impopular liminar do auxílio-moradia, já que tal revogação se deu em momento “coincidente” à concessão aos magistrados de um aumento salarial que compensou, com folgas, a perda do auxílio em comento.

Como adendo, cabe informar aos leitores desta coluna que, após o mencionado aumento salarial de 16% negociado como contrapartida pela revogação da liminar que permitia o pagamento do auxílio-moradia aos magistrados, tal auxílio acabou por ser restabelecido em favor da categoria, em dezembro de 2018, por força de uma Resolução do CNJ, ou seja: acabaram ficando tanto com o generoso aumento como também com o famigerado auxílio-moradia.

Diante de tamanho descalabro (e por que não dizer desrespeito com o contribuinte), cabe indagar ao Ministro Fux, do STF: Se eram ilegítimos, os valores pagos aos magistrados a título de auxílio-moradia entre aos anos de 2014 a 2018 serão ressarcidos ao erário? Não me surpreende que a resposta seja um peremptório “não”, assim como não me surpreende que, diferentemente do que alertava Zaffaroni, sejam os próprios membros supremos do corpo de magistratura (e não os seus críticos externos) que estejam colocando em cheque a credibilidade do Poder Judiciário que é tão caro à nossa democracia (e aqui a expressão “caro” pode mesmo ser entendida em qualquer das acepções que o termo comporta).

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