O Brasil, sejamos francos, é um país que não gosta do passado. Ou melhor, gosta quando o passado pode ser vendido em novelas de época, em museus que ninguém visita ou em discursos políticos embalados pelo clichê da “riqueza cultural”. Mas, na prática, quando se trata de preservar patrimônio histórico, nosso comportamento é quase sempre hostil. O que não dá lucro imediato é visto como entulho. Se não rende aluguel, se não se transforma em estacionamento ou shopping, então é candidato a virar ruína, e, de preferência, ruína esquecida.
Parte dessa atitude se explica pelo olhar utilitarista que a sociedade tem. Como o patrimônio não gera valor material direto, ou seja, dinheiro rápido no bolso, ele não é percebido como valioso. Some-se a isso o papel de instituições dominadas por uma mentalidade atrasada, burocrática e ineficaz, que, em vez de facilitar a preservação, muitas vezes a complicam ainda mais. O resultado é uma mistura perversa, a população não enxerga a importância do patrimônio, e o Estado não consegue (ou não quer) transformá-lo em algo vivo, útil e rentável.
E o prejuízo não é apenas simbólico. Perde-se uma das maiores indústrias do mundo, que é o turismo. Esse setor movimenta bilhões e gera empregos em escala global. Mais do que isso, o turismo, quando bem estruturado, melhora a qualidade de vida das pessoas que vivem nas regiões visitadas. Claro, traz consigo também problemas típicos aqui e acolá, preços inflacionados, gentrificação, mas são os chamados “ossos do ofício” que podem e devem ser administrados. A alternativa, no entanto, tem sido a pior possível, deixar de explorar o turismo e, com isso, condenar populações a uma vida de miséria, abandono e oportunidades perdidas.
Preservar o patrimônio não significa congelar prédios em formol, mas dar a eles novas funções, como fazem grandes cidades ao redor do mundo. Paris é um exemplo óbvio, edifícios que nasceram residenciais hoje funcionam como lojas, escritórios, restaurantes. A lógica é simples, ou o patrimônio é integrado à vida contemporânea, gerando renda e condições reais para que seja mantido, ou ele apodrece sob a custódia de uma lei que obriga o proprietário a preservar sem oferecer nenhuma contrapartida. No Brasil, infelizmente, a regra, na esmagadora maioria das vezes, ainda é esta última.
A teoria da preservação já nos ensinou muito sobre isso. Viollet-le-Duc defendia que restaurar era “restabelecer um monumento em um estado de completude que pode nunca ter existido em um dado momento”, ou seja, adaptar, reinventar, atualizar. John Ruskin, em contrapartida, via essa prática quase como uma violência, para ele, o tempo, com suas marcas e imperfeições, também é patrimônio, e apagar essas marcas seria falsificar a história. Já Alois Riegl trouxe uma síntese mais sofisticada, há diferentes “valores” no patrimônio, histórico, de uso, artístico, de idade, e é no equilíbrio deles que se encontra a melhor forma de preservar. O Brasil, contudo, parece não ter escolhido nenhum desses caminhos, ou seja, nem reinventa, nem respeita o tempo, nem equilibra os valores. Simplesmente abandona.
No fundo, preservar o patrimônio é falar de infraestrutura, isto é, rodovias, aeroportos, serviços de saúde, segurança, alimentação, é falar de investimento e de visão de longo prazo. Mas como esperar visão de longo prazo num país que trata até o seu futuro imediato como improviso? A ironia é que, ao destruir ou negligenciar o que temos de histórico, não apenas perdemos memória, perdemos dinheiro, empregos e dignidade. É como se disséssemos, com orgulho, que preferimos o vazio à oportunidade.
Alex Andrew
Presidente da juventude do partido NOVO-TO
Coordenador do projeto sextas na cidade