Jane Jacobs, a grande defensora das cidades vivas, dinâmicas e centradas nas pessoas, teria muito a dizer sobre Palmas, a jovem capital do Tocantins. Seu pensamento, consagrado em obras como Morte e Vida de Grandes Cidades, nos convida a enxergar o espaço urbano além dos números e da estética modernista. Para ela, o coração de uma cidade está na interação humana, na diversidade de usos e na convivência entre seus habitantes. Ao observarmos Palmas em sua forma atual, é impossível não questionar: será que a cidade está cumprindo o papel de criar uma verdadeira vida urbana?
Palmas nasceu planejada, com a promessa de ser uma cidade moderna, ordenada e progressista. E, ao longo dos anos, houve de fato avanços. A cidade se expandiu, ganhou novos bairros e serviços, e algumas tentativas de promover maior caminhabilidade e diversidade de usos foram feitas. No entanto, apesar dessas melhorias, ainda não alcançamos o ideal de uma cidade voltada para as pessoas — um princípio central nas ideias de Jane Jacobs.
Um dos desafios é que, embora algumas áreas da cidade tenham evoluído, o planejamento inicial, com suas largas avenidas e setores isolados, ainda dita boa parte da vida urbana. Mesmo com as mudanças, a lógica predominante continua priorizando o carro sobre o pedestre. O resultado é que, em muitos locais, Palmas se torna uma cidade com distâncias imensas, que, em vez de encorajar a interação e a diversidade, reforça o isolamento e a falta de espontaneidade.
Jacobs acreditava que uma cidade vibrante deveria ter uma mistura de funções — lugares onde se vive, trabalha e se diverte coexistindo lado a lado. Embora Palmas tenha avançado em setores como o Plano Diretor Sul, onde se pode observar maior integração de usos mistos e uma maior densidade populacional, esse princípio ainda é insuficientemente aplicado em grande parte da cidade. Os setores inteiramente residenciais ou comerciais seguem predominantes, isolando atividades e criando “zonas mortas” onde a presença de pessoas é esparsa fora de horários comerciais.
Além disso, a escala da cidade — com avenidas largas e quarteirões extensos — torna a caminhada algo desafiador. Houve tentativas de melhorar a caminhabilidade, como a criação de ciclovias e áreas verdes, mas muitas dessas iniciativas não conectam bem os espaços urbanos, e caminhar em Palmas ainda não é a experiência prazerosa que poderia ser. Para Jacobs, as cidades precisam de “olhos na rua”, ou seja, de pessoas que ocupam e dinamizam o espaço urbano, o que ainda falta em muitas áreas de Palmas.
Outro ponto central no pensamento de Jacobs é a importância da flexibilidade e do crescimento orgânico. Para ela, o planejamento urbano excessivo e centralizado era uma ameaça à vitalidade urbana. Palmas, desde sua concepção, seguiu um caminho rigidamente controlado, e embora novas zonas e empreendimentos surjam ao longo do tempo, o crescimento da cidade ainda é muito previsível e padronizado. Falta espaço para o inesperado, para o surgimento espontâneo de atividades que respondam às mudanças culturais, sociais e econômicas dos habitantes.
A tentativa de promover mais flexibilidade na ocupação do solo tem acontecido, principalmente com a criação de empreendimentos como shoppings e praças comerciais que tentam diversificar o uso dos espaços urbanos. Contudo, isso ainda ocorre de forma muito restrita, sem uma transformação orgânica e mais inclusiva que permita o florescimento de uma verdadeira vida urbana. A cidade, ao invés de ser um organismo vivo e adaptável, segue o modelo de “cidade planejada”, com regras rígidas de uso do solo que limitam a espontaneidade.
Nesse ponto, é importante trazer à discussão o pensamento de Alain Bertaud, que complementa as ideias de Jacobs ao criticar o excesso de planejamento centralizado. Para Bertaud, autor de Order Without Design, o planejamento urbano centralizado é uma das maiores barreiras para o desenvolvimento eficiente de uma cidade. Ele defende que o planejamento rígido, ao tentar prever e controlar cada aspecto da cidade, muitas vezes acaba sufocando o crescimento econômico e social. Palmas exemplifica essa crítica, pois, ao tentar se manter dentro de um modelo ordenado, ela acaba limitando as adaptações naturais que uma cidade precisa para prosperar.
Bertaud acredita que as cidades devem funcionar mais como mercados espontâneos do que como projetos centralizados. Para ele, as interações humanas, as atividades econômicas e as inovações surgem de forma mais eficaz quando as cidades têm a flexibilidade de crescer e se reorganizar de acordo com as necessidades dos seus habitantes. Em Palmas, no entanto, a rigidez do planejamento, as zonas bem definidas e a pouca margem para mudanças criativas impedem que a cidade atinja seu verdadeiro potencial.
A combinação entre o pensamento de Jacobs e Bertaud nos oferece uma visão crítica e profunda sobre como Palmas precisa evoluir. Enquanto Jacobs nos alerta sobre a necessidade de promover vida urbana vibrante e centrada nas pessoas, Bertaud nos lembra que, para isso acontecer, é preciso permitir que as dinâmicas do mercado e das interações humanas aconteçam de forma livre, sem o controle excessivo das autoridades de planejamento. A falta de flexibilidade na ocupação do solo e o controle rígido do desenvolvimento urbano continuam a ser obstáculos significativos para que Palmas se torne uma cidade verdadeiramente dinâmica e inclusiva.
A solução para Palmas não passa apenas por novas obras e melhorias infraestruturais, mas por um repensar profundo sobre como estamos planejando e utilizando os espaços. Jane Jacobs nos ensina que as cidades mais bem-sucedidas são aquelas que se adaptam, que abraçam a diversidade e que colocam as pessoas em primeiro lugar. E Alain Bertaud reforça que esse sucesso só virá quando deixarmos as cidades funcionarem como organismos vivos, permitindo que seus habitantes moldem seu crescimento e organização de forma espontânea. Palmas tem potencial para florescer como uma cidade humana, mas isso exige que olhemos além das avenidas largas e dos projetos padronizados, começando a criar espaços onde a vida urbana possa se expressar de forma autêntica e dinâmica.
Se quisermos que Palmas alcance seu verdadeiro potencial, é necessário abraçar o pensamento de Jacobs e Bertaud, entendendo que o segredo de uma boa cidade não está apenas na estética ou na ordem, mas na capacidade de criar um espaço onde as pessoas realmente desejam estar, e onde o planejamento seja flexível o suficiente para permitir que a cidade evolua conforme suas necessidades. Algumas mudanças já começaram, mas ainda precisamos promover intervenções mais profundas para fazer de Palmas uma cidade para as pessoas, onde as interações e a convivência sejam o centro do planejamento, e onde a rigidez dê lugar à adaptação.
Alex Andrew
Presidente da Juventude do Partido Novo no Tocantins
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