O agronegócio brasileiro vive um paradoxo. Enquanto bate recordes de produção ano após ano, impulsionado por tecnologia e pela crescente demanda alimentar global, um problema estrutural ameaça silenciosamente seu futuro: a escassez de mão de obra no campo. O setor, que emprega mais de 28 milhões de pessoas, segundo dados do Cepea/USP, vê sua força de trabalho encolher a cada safra. Entre 1996 e 2017, o Censo Agropecuário registrou a saída de 1,4 milhão de pessoas da zona rural. Ou seja, a produção cresce, mas há cada vez menos braços para sustentá-la.
Um dos fatores críticos é o envelhecimento da população rural. Mais da metade dos produtores têm mais de 45 anos, e os jovens, atraídos pelas oportunidades urbanas, simplesmente não veem o campo como uma alternativa de vida viável. A falta de interesse da nova geração por empregos rurais não acontece por acaso. As condições de trabalho e a rotina do campo não é atraente para a vida que os jovens sonham. Enquanto as cidades oferecem conectividade, benefícios, conforto e possibilidades de relacionamentos, o campo continua sendo visto, por muitos, como um espaço de sacrifício e limitação.
Os impactos dessa escassez já são visíveis. No Vale do São Francisco, produtores de uva enfrentam dificuldades recorrentes para contratar trabalhadores durante a safra, o que tem comprometido prazos e aumentado custos. Na Serra Gaúcha, há escassez de mão de obra durante a colheita. Em algumas regiões do Rio Grande do Sul, a falta de pessoal levou produtores a adiar a poda das videiras, comprometendo o cronograma agrícola. Essas situações revelam que a crise vai além da falta de trabalhadores: trata-se de um desequilíbrio estrutural que ameaça a produção em culturas altamente dependentes de trabalho manual, como a uva, o café e o cacau.
Muitos depositam esperança na mecanização como solução definitiva. De fato, grandes fazendas já operam com colheitadeiras automatizadas, drones e softwares de precisão. No entanto, para pequenos e médios produtores que, formam a base do agro brasileiro, essa tecnologia ainda está fora de alcance. Além do custo elevado, há culturas específicas como morango, hortaliças, café e cacau que requerem cuidados humanos, cuja substituição por máquinas ainda não é viável, nem técnica nem economicamente.
Visando uma maior atratividade para o campo, algumas fazendas começam a reagir, oferecendo melhores condições de trabalho, salário, moradia, internet e ar condicionado. Mas essas iniciativas ainda são pontuais e insuficientes para reverter uma tendência nacional. O problema exige políticas públicas sérias, amplas e articuladas.
Uma das soluções mais urgentes é a criação de programas voltados à juventude rural. Não se trata apenas de mantê-los no campo por tradição ou necessidade, mas de oferecer capacitação técnica, acesso à conectividade, inclusão digital e incentivo ao empreendedorismo rural. Projetos como escolas técnicas agrícolas, parcerias com institutos federais e iniciativas que levem inovação e tecnologia ao campo precisam ser ampliados e valorizados. O jovem precisa ver no agro uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, e não um fardo herdado.
Além disso, é preciso investir em programas de imigração regulada, que auxiliem produtores a contratar trabalhadores estrangeiros de forma legal, segura e organizada. Isso já ocorre em outros países e pode ser uma alternativa de curto prazo para preencher as lacunas mais urgentes. Outra frente importante é facilitar o crédito e o acesso a tecnologias por pequenos e médios produtores, para que possam modernizar suas operações e reduzir sua dependência do trabalho braçal.
O tempo está se esgotando. A escassez de mão de obra rural não é uma ameaça futura: ela já está afetando diretamente a produtividade, os custos e a capacidade de resposta do setor. Se nada for feito, o agro, que sustenta a maior parte do PIB brasileiro, poderá enfrentar uma crise sem precedentes. É hora de desarmar essa bomba-relógio com políticas inteligentes, investimento em gente e respeito por quem faz o Brasil crescer a partir da terra. Porque sem pessoas no campo, não há futuro para o agronegócio nem comida para a cidade.
Hidekazu Souza de Oliveira é advogado especialista em direito agrário e ambiental
@hidekazu.adv