“Não temos aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos.” A frase do chanceler britânico Lord Palmerston, dita na Câmara dos Comuns em 1º de março de 1848, continua sendo a síntese mais honesta da política internacional.
Aplicada ao Brasil de hoje, ela ajuda a separar mito e realidade na relação com a China. O país asiático é, de longe, nosso principal comprador de produtos do agronegócio, mas cliente não é amigo, é parte de uma relação guiada por preço, volume e conveniência.
Entre julho de 2023 e julho de 2024, a China foi o principal destino das exportações do agronegócio brasileiro: US$ 57,94 bilhões, alta de 8,9% na comparação anual, segundo a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura (SCRI/Mapa). No 1º semestre de 2024, as vendas do agro para a China somaram US$ 28,44 bilhões.
A soja é o eixo dessa dependência. Em 2024, 73% da soja exportada pelo Brasil teve a China como destino, mostra a Reuters com base em dados oficiais e de mercado.
Na carne bovina, a fotografia é dupla. Pelo lado brasileiro, a ApexBrasil registra que 1,33 milhão de toneladas foram embarcadas para a China em 2024, gerando cerca de US$ 6 bilhões.
Na carne de frango, a China também figura entre os maiores compradores. Relatório semestral do USDA mostra que, em 2024, 11% de toda a carne de frango exportada pelo Brasil foi para o mercado chinês (PRC).
Os riscos de concentração não são teóricos. Em 4 de setembro de 2021, após casos atípicos de EEB (“vaca louca”), o Brasil suspendeu as vendas de carne bovina para a China; o embargo só foi levantado em 15 de dezembro de 2021. Ou seja, pouco mais de três meses de paralisação com efeitos imediatos sobre abates, preços e caixa das empresas.
O próprio governo reconhece a centralidade do mercado chinês. Em 15 de agosto de 2024, ao marcar 50 anos das relações diplomáticas, o Ministério da Agricultura destacou a China como “principal destino” e registrou novas habilitações de 38 plantas em março daquele ano, o que ampliou a capacidade de exportação brasileira. Em declaração oficial, o secretário da SCRI, Roberto Perosa, celebrou “negociações comerciais robustas” que consolidaram a China como “principal parceiro estratégico no agronegócio”.
Mas a lógica de Palmerston cobra realismo: clientes mudam. A própria documentação do USDA alerta para a necessidade de diversificar destinos. Em 2024, por exemplo, México entrou no top-10 da carne bovina brasileira; Turquia e Indonésia ganharam peso e, o Brasil exportou carne bovina para 137 países — sinais de que a indústria busca reduzir a exposição a um único comprador.
O caminho prático é claro. É preciso abrir novos mercados e reduzir barreiras fora da Ásia, acelerando negociações com outros países. Também é fundamental agregar valor aos produtos: investir em cortes premium, processar a soja para exportar óleo e farelo em vez do grão in natura, ampliar a oferta de derivados e assim capturar margens mais altas e diluir riscos. Nada disso depende de “amizade” — exige estratégia, diplomacia econômica e competitividade.
Os produtores rurais vêm batendo recordes atrás de recordes. O Brasil do campo entrega volumes históricos com eficiência e competitividade. Agora cabe ao poder público encarar a China pelo que ela realmente é — um cliente gigantesco e volátil — e preparar o terreno para o dia em que o interesse mudar de rota. Na arena internacional, não existe afeto: só interesses. E, como ensina a história, o interesse muda de lado assim que o preço, o câmbio ou a política mudam primeiro.
Hidekazu Souza de Oliveira é advogado especialista em direito agrário e ambiental
@hidekazu.adv