DIÁRIO DE GUERRA: CORONAVÍRUS E A PARANÓIA EPIDÊMICA
A epidemia do COVID 19 continua afetando a saúde e a economia mundial. Dada a gravidade do problema temos observado um efeito esperado, porém de difícil manejo mundialmente – a paranóia criada pelo medo da infecção, isolamento social e solidão. Além da fragilidade social e econômica secundária a pandemia.
Tenho atendido em meu consultório um grande número de pacientes que tem descompensado emocionalmente – piora ou início de quadros como síndrome do pânico, ansiedade generalizada, depressão. Muito comum também a somatização importante – pois o estresse está associado a taquicardia, serve de gatilho para arritmias, piora o controle da pressão arterial, propicia crises de isquemia cardíaca (infarto agudo do miocárdio ou angina). Temos até a”síndrome do coração partido” ou de Takotsubo – uma doença cardíaca aguda causada pelo estresse emocional intenso.
As manifestações de ansiedade incluem dor no peito e falta de ar – sendo muito comum o paciente assim inferir que está com coronavírus. Para chamar a atenção e tentar explicar melhor isso para colegas e pacientes chamo a situação de “conóiavirus” – a paranóia criada pelo vírus leva pacientes com sintomas de ansiedade a acreditar que estão realmente com sintomas de COVID 19.
Por vezes o diagnóstico diferencial não é fácil – paciente tem asma, pneumonia ou síndrome gripal, teve contato com casos suspeitos ou já se tem transmissão comunitária na sua região (quando não se consegue definir de onde veio o contágio). Soma se a isso a dificuldade de encontrar exames diagnóstico e a necessidade de excluir o comprometimento pulmonar por tomografia de tórax, que indicaria que o caso é de gravidade no mínimo moderada.
Daí a importância de termos testes diagnóstico cada vez melhores – de resultado rápido – acessíveis à maior parte da população em risco.
A paranóia não para aí – ela atinge a equipe de saúde. O ritmo de trabalho e o estresse causado pela dificuldade de manejo da doença e as medidas preventivas no atendimento, além do medo do contágio, e algumas vezes até o preconceito com alguns atos de violência de populares contra a equipe de saúde como visto em regiões com maior número de casos, leva diversos colegas de equipe ao colapso psicológico. E o medo as vezes é inimigo das melhores decisões, pois como disse no primeiro artigo da série há uma semana, o coronavírus é mais uma doença que conviveremos – ensinamentos de décadas não podem ser deixados de lado por desespero. Paciente não deve ficar em casa com dor torácica aguda sem saber o diagnósticos – a isquemia cardíaca tem mortalidade maior que o coronavírus por exemplo se não tratada ! O índice de óbitos domiciliar por morte súbita e causas tratáveis piorou muito em quase todas as regiões do mundo – muito pelo medo de se contaminar em serviços de emergência!
O exercício físico, muito comprometido pelo isolamento social , tem de ser estimulado. Existem diversos que podem ser feitos em casa com o própio peso, com aplicativos e tutoriais disponíveis em plataformas digitais.
O abuso de álcool e outras drogas ilícitas também deve ser abordado. É importante manter a moderação em tempos tão difíceis, pois distúrbios psiquiátricos são piorados com o uso dessas substâncias. Mas pondero que políticas rígidas de lei seca levam a mais estresse social que resolvem problemas – a história do mundo já mostrou isso também.
Em paralelo temos de viabilizar tratamento psicológico e psiquiátrico tanto pra população quanto para os trabalhadores de saúde – penso que a telemedicina tem um papel fundamental em situações de isolamento para esse tipo de atendimento.
Penso que, apesar de não ser nenhum guru, temos de ter esperança e pensar no copo como “meio cheio” – por exemplo Palmas em 03/05/2020 após mais de um mês de medidas de isolamento social tem 83 casos confirmados e 2 óbitos, além de 26 desses recuperados, com 2 internados. Que se pese a falta de exames em massa, a meu ver estamos localmente muito bem – ainda distantes de um colapso dos serviços de saúde.
Encaro esse panorama com otimismo – e acho essa uma boa forma de combater o medo que se espalha com notícias negativas que fazem parte de qualquer pandemia. Nós como sociedade iremos sobreviver a isso – aprender com a situação, sermos mais solidários e complacentes, mais positivos em relação aos problemas que se seguirão ao pico local da pandemia.