Longe de estarem descoladas do espírito corporativo, gigantes como Microsoft, Apple, Volvo e Ifood têm investido em metas para neutralizar suas emissões de carbono até 2030. Esses são alguns exemplos de um mercado que entendeu, em boa parte e por pressão social, que o progresso não pode mais se sobrepor ao seu efeito colateral. Por isso, negócios de compra e venda de carbono, o vilão invisível que criamos e hoje nos ameaça, estão em alta. Inclusive no Rio Grande do Sul.
O mercado de carbono, que viveu tempos de baixa após a crise de 2008, já parece retomar com vigor o interesse de empresas em ativos sustentáveis. Mas o Brasil, que tem potencial para saciar a gana do mercado, tem ficado para trás na corrida do “ouro do futuro”, como entusiastas apelidam o crédito de carbono.
A moeda global da “revolução da sustentabilidade”, exclamada por Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, deve mudar todas relações comerciais em curto tempo. “Uma mudança da magnitude da revolução industrial, mas com a velocidade da revolução digital”, disse o norte-americano, em recente evento promovido pelo Valor Econômico e Santander.
Nos negócios de CO2, a redução ou sequestro do gás gera créditos monetizáveis, certificados por órgãos internacionais, que podem ser comercializados entre empresas e servem para compensar o impacto ambiental de quem o compra. Cada um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida na atmosfera.
Nascido a partir do Protocolo de Quioto, de 1997, e renovado com o Tratado de Paris, de 2015, o mercado tem se desenvolvido em duas frentes: a regulada e a voluntária, da qual o Brasil faz parte. Porém, segundo especialistas, ele está passando por um momento de guinada, com a adoção de um novo modelo de certificação.
“O novo Acordo de Paris vem para regulamentar de vez esse mercado, está todo mundo aguardando por isso, pois vai aumentar a responsabilidade de países sem metas obrigatórias contra os gases de efeito estufa”, diz Fábio Feldmann, ambientalista e fundador da ONG SOS Mata Atlântica.
Hoje em dia, no mercado regulado, os países ou territórios impõem metas obrigatórias de redução para cada setor produtivo. As empresas compram quando as metas são ultrapassadas e vendem quando emitem menos, sendo permitido apenas a comercialização de créditos entre empresas do mesmo território. Califórnia, Europa e parte da China são reguladas, por exemplo. As transações são feitas nas bolsas de valores internacionais neste modelo.
Já no mercado voluntário qualquer pessoa, empresa ou instituição pode vender ou comprar créditos de carbono certificados. As transações se dão em acordos bilaterais e, mais recentemente, por blockchain. E o valor varia muito conforme o tipo de projeto e o volume de créditos.
“Alguns projetos têm mais apelo do que outros. Os voltados à conservação de florestas às vezes podem ser mais interessantes para o marketing de uma empresa do que um projeto de geração de energia por queima controlada de metano, por exemplo”, explica Eduardo Baltar, diretor da consultoria gaúcha Ecofinance. Ambos modelos, regulado e voluntário, são tão complexos quanto imprescindíveis para a sustentabilidade.
Em resumo, reduzir a emissão de gases de efeito estufa já é um negócio que dá lucro e status para quem participa. Mercado que é avaliado em mais de R$ 1 bilhão por ano. Empresários e ambientalistas acreditam inclusive que o carbono será a commodity mais valiosa do futuro.
O que Brasil e RS tem a ver com isso?
O Brasil tem a maior capacidade de reflorestamento entre os países, uma matriz energética majoritariamente limpa e a maior floresta tropical do mundo, o que o coloca na liderança global do mercado de carbono, certo? Errado.
Somos o sétimo em geração de créditos no mercado voluntário de carbono. Mas já fomos o terceiro, quando o comércio começou, em meados de 2006. Em nível federal, projetos de regulação passam de mão em mão pelas pastas da Economia, Meio Ambiente e de Ciências e Tecnologia, mas não avançam. Apenas o RenovaBio, voltado à geração de biocombustíveis, é regulado com créditos vendidos no pregão eletrônico brasileiro.
“Há duas perspectivas: criar um mercado de carbono interno e há um grande potencial de exportação do crédito de carbono, usando como chamariz uma política de zero desmatamento”, diz Fábio Feldmann, ambientalista e fundador da ONG SOS Mata Atlântica. O Brasil pode ser para o mercado de CO2 o que a Arábia Saudita é para o mercado de petróleo, segundo Luiz Adaime, fundador e CEO da Moss, empresa brasileira que lançou o primeiro cripto ativo de carbono, comercializado por blockchain. “O País ainda certifica uma parcela ínfima de créditos de carbono em relação ao seu potencial”.
Focada em projetos ambientais de preservação na Amazônia, o ativo da Moss estreou ano passado e já é a principal criptomoeda brasileira no cenário internacional, com mais de 1,3 milhão de créditos comercializados.
Mas embora a imagem de uma floresta preservada apareça na cabeça da maioria que escuta falar em mercado de carbono, a preservação é uma parcela ínfima desse negócio — menos de 1%. A maior parte do bolo de créditos certificados no mundo é derivada de projetos de energia limpa. E é aí que entra o Rio Grande do Sul.
Embora possa parecer distante a relação entre o Estado e o mercado de CO2, foi no Pampa que esse negócio iniciou no Brasil. A primeira empresa brasileira a receber pela mitigação do CO2 foi a gaúcha Camil Alimentos, em 2006. Na época, a empresa vendeu por cerca de ? 1,5 milhão seus créditos para a companhia holandesa BTG Biomass. Foram 207 mil créditos credenciados a partir da geração de bioenergia com a casca do arroz, na unidade industrial de Itaqui (RS).
De lá para cá, diversos outros projetos de sequestro de CO2 pipocam pelo Estado, com crescimento inclusive de consultorias que ajudam as empresas a certificar seus créditos de carbono, processo que é feito através de auditoria vinculada a órgãos internacionais e que calcula o quanto determinado projeto está deixando de emitir. “No Sul, há setores mais antenados ao mercado de carbono do que outros, como é o caso do setor energético, com foco na geração de biomassa e de energia eólica. O setor de resíduos também tem conseguido bons rendimentos vendendo seus créditos”, ressalta Eduardo Baltar, diretor da consultoria gaúcha Ecofinance, responsável por mais de 11 milhões de créditos negociados e 30 projetos de desenvolvimento limpo aprovados.