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Contexto histórico da inserção do Princípio da Eficiência dentre os princípios administrativos constitucionais

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No tocante aos princípios que regem o Direito Constitucional, nenhuma acepção jurídico-doutrinária se revelou tão apropriada e peculiar quanto àquela formulada por Rui Barbosa: “Costuma-se dizer que os princípios são tudo. Não seriamos nós quem contestasse esta verdade sensatamente entendida. Cultor mais devoto deles do que nós, não queremos que haja. Mas o primeiro de todos os princípios é o da relatividade prática na aplicação deles à variabilidade infinita das circunstâncias dominantes” [1].

À margem dessa abstração teórica tão característica dos voos literários do “Águia de Haia”, é possível extrair que as mencionadas “circunstâncias dominantes” são as variáveis de ordem cultural, ética, social e econômica que se impõem em um determinado momento histórico, influindo diretamente na “escolha” dos princípios/valores que norteiam a pauta social naquele dado momento.

Assim, os princípios jurídicos vigentes em cada época nada mais são do que a representação fidedigna do estágio civilizatório em que se encontra a sociedade sobre a qual eles atuam, razão pela qual são tão suscetíveis às variações circunstanciais de cada contexto histórico.

Não por acaso, os princípios estampados na Constituição Federal de 1988 espelham o natural ímpeto do então Constituinte em redesenhar a sociedade brasileira e o Direito Constitucional sob a égide do Estado do Bem Estar Social, visto que o State of the welfare state [2]era o modelo de Estado que, naquele momento, melhor correspondia aos anseios e necessidades de uma sociedade historicamente desassistida pelo Poder Público e marcada por uma aviltante desigualdade de direitos e oportunidades.   

Por conseguinte, os princípios e objetivos fundamentais contidos no Título I da Constituição Federal de 1.988 (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;  erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação) estão lá elencados porque, naquele momento, tinham (e roga-se que ainda continuem a ter, embora existam fundadas dúvidas a respeito) status de valor cristalizado para a sociedade brasileira.

Da mesma forma, quando tratou da Administração Pública, o texto constitucional reproduziu os valores que, nos idos de 1988, se impunham como essenciais para balizar a atuação do Estado brasileiro e para evitar qualquer retrocesso autoritário por parte dos seus administradores, tanto que a redação original do art. 37 da CF/88 estatuía que a administração pública deveria obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Após 1988, tais princípios constitucionais desencadearam um processo de reestruturação das práticas administrativas e das estruturas públicas fiscalizatórias (Tribunais de Contas; Ministério Público, Controladoria Geral da União; Comissões Parlamentares de Inquérito etc.), além de contribuir para que a sociedade civil organizada, agora informada pela imprensa livre, passasse a exigir, com maior rigor, uma gestão pública transparente, íntegra e proba.

Entretanto, a conjuntura econômica que se sucedeu após esse período (déficits crescentes, endividamento público, surto inflacionário, crises cambiais), aliada à endêmica ineficiência administrativa brasileira (caracterizada pela total falta de planejamento estratégico, pelo clientelismo, pelo populismo eleitoral e pela autopromoção à custa de dinheiro público), passou a fomentar a necessidade de se instituir no país um novo paradigma organizacional e gerencial da Administração Pública, posto que ao Estado que se redesenhava já não mais bastava ser pautado apenas nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, mas também e, principalmente, demandava ser sedimentado na eficiência administrativa.

Nesse contexto, veio à lume, no ano de 1998, a Emenda Constitucional no 19 (que se intitulou “reforma administrativa”), ascendendo à categoria de norma constitucional o princípio da eficiência, incluindo-o dentre os demais princípios administrativos estampados no caput do art. 37 da CF/88. Com isso, a eficiência na Administração Pública adquire status constitucional, tornando-se um valor ideal, de modo que a manutenção de uma estrutura administrativa ineficiente, inoperante, desorganizada e onerosa, além de contraproducente e antieconômica, passou a ser inconstitucional.

Todavia, apesar de traduzir um valor social indubitável, a constitucionalização do princípio da eficiência foi alvo da crítica feroz de muitos juristas, que viam nessa iniciativa uma clara inspiração nos ideais neoliberais e uma transcrição dos mandamentos impostos pelo Consenso de Washington [3]. Segundo esses críticos, a inserção do princípio da eficiência no texto constitucional, assim como a edição da Lei Complementar no 101/2000(Lei de Responsabilidade Fiscal), tiveram como único escopo tornar o Estado brasileiro mais eficiente sob aspecto macro-econômico, não para oferecer melhores serviços aos seus cidadãos e promover justiça social, mas apenas e tão somente para que ele pudesse produzir o superávit primário necessário para que o país pudesse honrar os compromissos internacionais (diga-se: pagar os serviços – juros – da dívida externa).

Na mesma esteira de raciocínio crítico, é muito recorrente a concepção de que as reformas do Estado brasileiro que se seguiram (intensificação das privatizações, reforma da previdência, reforma tributária etc.) são os frutos neoliberalizantes colhidos após a inclusão da eficiência administrativa dentre os princípios constitucionais.

Além disso, mesmo sob um enfoque eminentemente técnico-jurídico, alguns constitucionalistas entendem que o princípio da eficiência é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 da constituição ou o mero extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto.

De toda sorte, em que pesem todas as críticas, o fato é que tal princípio não pode ser concebido senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que esse princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o “princípio da boa administração”, conforme bem observa José Afonso da Silva.

Aliás, tal constitucionalista encerra o tema com uma valiosa síntese conceitual segundo a qual “a eficiência administrativa é atingidapelo melhor emprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais), para melhor satisfazer às necessidades coletivas num regime de igualdade dos usuários”.

Assim sendo, ainda que se cometa o possível equívoco de interpretar o princípio da eficiência com uma certa dose de “puritanismo hermenêutico”, é bem mais producente vê-lo conforme permite o princípio italiano que o originou (princípio da boa administração), de forma a considerar que a redação do art. 37 da Constituição Federal (dada pela Emenda Constitucional no 19/98) é um avanço histórico da Carta Magna e um importante instrumento de balizamento da atuação do Estado, no sentido do alcance da racionalidade, da economicidade e da eficácia administrativa, qualidades essas essenciais para prover os cidadãos/usuários com melhores serviços públicos.


[1] Trecho extraído do discurso de Rui Barbosa na abertura do “Colóquio Baiano de Direito Constitucional”.

[2] O conceito de Welfare State (Estado de Bem Estar Social) surgiu nos países europeus devido à expansão do capitalismo após a revolução Industrial e o Movimento de um Estado Nacional visando a democracia. Ele surge como resposta à demanda por serviços de segurança sócio-econômica.  Marta Arretch (1995).

[3] Este termo foi batizado pelo economista John Willianson para descrever a visão coincidente do rumo a seguir que, após o fim da guerra fria, tiveram o governo de Washington e os organismos econômicos internacionais, tais como o Banco Mundial e o       Fundo Monetário Internacional – FMI. De acordo com os termos deste consenso, Washington deveria dirigir a nova arquitetura econômica global, sob a égide do livre mercado, do Estado mínimo e do controle fiscal dos países devedores. 

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