No universo da gestão pública contemporânea, as redes sociais se tornaram palco inevitável da comunicação política local. Para prefeitos, ainda em plena era digital, a tentação de mostrar obras, inaugurações, programas e eventos nas suas contas pessoais é grande, em especial envolvendo autoridades políticas quando estão presentes, basta acompanhar os perfis de prefeitos durante as pecuárias, aniversários de cidades e festejos, mas o dispositivo legal que rege a publicidade oficial cria armadilhas que podem levar à responsabilização por improbidade administrativa.
Recentemente, vi nas redes sociais que, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o prosseguimento de ação de improbidade contra o ex-prefeito de São Paulo, João Doria, com base no uso de verba pública para divulgar o programa “Asfalto Novo” em perfis pessoais. Segundo o tribunal, há indícios de que a campanha visava autopromoção, sobretudo porque parte das despesas em publicidade superou os gastos efetivos com asfaltamento em certos meses. Essa decisão reforça um entendimento emergente: que o gestor público deve distinguir claramente seu papel institucional de sua identidade particular.
No Tocantins, em 2022, o Ministério Público identificou peças institucionais de divulgação das prefeituras de Darcinópolis e Wanderlândia que associavam obras públicas à imagem pessoal de prefeitos, violando o princípio constitucional da impessoalidade, e recomendou que fossem excluídas ou adequadas em até 24 horas.
Para nossos prefeitos do Tocantins, o alerta é direto. Ao utilizar perfis pessoais para divulgar obras e ações, correm o risco de violar dispositivos constitucionais, como o art. 37, § 1º, que estabelece que a publicidade dos atos públicos não pode conter nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal. Também pode incidir a Lei de Improbidade Administrativa, em especial, após a alteração trazida pela Lei 14.230/2021, que tipifica como ato de improbidade a promoção pessoal com recursos públicos em publicidade ou comunicação institucional.
O problema se agrava quando a proporção das despesas com mídia é desproporcional frente ao investimento real na obra ou serviço. Se mais se gasta em anúncio do que em execução, emerge forte presunção de que o propósito não era estritamente informativo, mas eleitoreiro ou de enaltecimento pessoal. Em municípios pequenos, como muitos dos nossos, até modestas campanhas podem chamar atenção quando comparadas ao porte do orçamento público local.
Além disso, ao misturar perfil pessoal e institucional, o gestor abre-se à suspeita de confundir gestão pública com uso pessoal de poder, ferindo o princípio da impessoalidade. O cidadão pode interpretar a comunicação como parte de marketing político, e não como prestação de contas ou transparência.
Para mitigar esses riscos, algumas medidas devem ser recomendadas:
- Separar perfis pessoais e institucionais: divulgar obras e programas apenas por canais oficiais da prefeitura ou da administração municipal, preferencialmente com padrões visuais institucionais que limitem a menção ao gestor;
- Cautela nas imagens e legendas: evitar fotos muito personalizadas (o gestor em destaque em primeiro plano, discurso próprio, etc.), mantendo o foco no serviço público;
- Controle da despesa publicitária: monitorar rigorosamente os valores empregados em comunicação institucional, evitando que ultrapassem limites razoáveis ou se tornem desproporcionais aos investimentos estimados;
- Documentação e transparência: registrar os critérios de escolha de publicidade, os veículos usados, o público-alvo, os custos unitários, e disponibilizar essa informação ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público local;
- Capacitação dos órgãos de publicidade da municipalidade: contar com assessorias jurídicas e de comunicação bem orientadas para garantir que as publicações sigam estritamente os contornos legais.
No Tocantins, onde muitos municípios têm orçamentos mais enxutos e menor visibilidade, uma eventual ação de improbidade pode causar danos significativos à gestão, não apenas financeiros, mas de reputação e continuidade administrativa. Prefeitos que se expõem demais em redes sociais pessoais, fazem bem em lembrar: na fronteira entre comunicação institucional e marketing político, o caminho mais seguro é a cautela e a clara separação entre o público e o pessoal.
Carlos Assis
Mestre em Desenvolvimento Regional (UFT), especialista em Políticas Públicas para MPEs (Unicamp), contador e empresário. Foi secretário de Finanças de Palmas, diretor do SENAI e atuou por 20 anos no SEBRAE
@carlosjassis
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