Coluna Poder Local: Impactos da descontinuidade dos governos estaduais do Tocantins sobre os municípios
O afastamento cautelar do governador do Tocantins, confirmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), coloca mais uma vez em evidência um problema crônico que atravessa o estado: a instabilidade administrativa no executivo estadual e seus reflexos diretos sobre os municípios. A decisão do STJ determinou o afastamento por prazo mínimo de 180 dias, medida que já foi publicada pela corte.
Ao mesmo tempo, investigações da Polícia Federal apontam para um esquema que teria desviado recursos de emendas parlamentares destinadas à compra de cestas básicas durante a pandemia — um conjunto de movimentações que envolve ao menos R$ 38 milhões em emendas e levou a mandados de busca e apreensão em gabinetes da Assembleia Legislativa. “Ao todo, foram destinados R$ 38,2 milhões para a contratação das empresas supostamente envolvidas na fraude”, noticiou o portal de notícias G1.
Esse duplo fato, afastamento do chefe do executivo estadual e investigação sobre parlamentares que destinaram emendas, tem impactos concretos para as prefeituras, que convivem com efeitos práticos e duradouros quando o governo estadual entra em crise.
O episódio atual insere-se em uma sequência: desde 2006 nenhum governador eleito pelo voto direto no Tocantins conseguiu concluir o mandato. Manchetes recentes recordam que cassações, afastamentos e prisões marcaram a última década e meia da política estadual. Esse histórico contribui para que prefeitos e secretários municipais passem a gerir em um ambiente de incerteza permanente. Essa descontinuidade estadual afeta em cheio as administrações municipais, cujas consequências podemos listar:
- Congelamento ou atraso de repasses e convênios– quando um governador é afastado e a administração é reconfigurada (inclusive com exonerações no primeiro escalão, como as registradas logo após o afastamento desta semana), processos de liberação de recursos, homologação de convênios e pagamentos ficam sujeitos a revisão administrativa, atrasos ou cancelamentos. Como assistimos ainda ontem, o vice-governador assumiu interinamente e exonerou secretários nas primeiras horas após o afastamento. Essa rotatividade administrativa faz com que prazos de transferências e desembolsos sejam postergados, penalizando investimentos municipais em obras e programas sociais.
- Interrupção de obras e investimentos em infraestrutura– obras que dependem de contrapartidas estaduais (pavimentação, saneamento, estradas vicinais) correm risco de paralisação quando há bloqueio de recursos ou revisão de contratos. Para cidades com orçamento apertado, como nos pequenos municípios, a suspensão de uma contrapartida estadual muitas vezes significa suspensão total do empreendimento.
- Risco sobre programas sociais e compra emergencial – investigações sobre desvio de verbas destinadas a cestas básicas, justamente recursos que chegaram ao interior em caráter emergencial, revelam que políticas de assistência podem ficar fragilizadas por falhas de governança e por desvios, deixando famílias em situação de vulnerabilidade sem o apoio esperado.
- Insegurança jurídica e administrativa para contratos municipais – alterações súbitas na liderança estadual geram incerteza sobre contratos de prestação de serviços e compras públicas firmados com empresas que dependem do aval ou repasse estadual, o que pode provocar litígios, paralisação de serviços e novos custos para os cofres municipais.
- Perda de capacidade de planejamento e atração de investimentos – instabilidade política estadual reduz a previsibilidade para investidores e órgãos federais que demandam contrapartidas estaduais, tornando mais difícil para prefeituras planejar o desenvolvimento local e captar investimentos privados.
- Sobrecarga administrativa nos municípios – com o vácuo ou a mudança de prioridades no executivo estadual, prefeituras precisam responder sozinhas a demandas sociais e emergenciais, deslocando recursos do investimento para custeio — efeito que compromete a sustentabilidade fiscal municipal.
Além dos impactos técnicos e financeiros, há um efeito institucional grave, a sucessão contínua de escândalos e afastamentos fragiliza a confiança entre executivo estadual, legislativo e prefeituras. A operação da Polícia Federal e as buscas em gabinetes da Assembleia Legislativa aumentam a sensação de insegurança em gestores municipais sobre a regularidade das transferências de recursos e sobre a idoneidade da interlocução política que historicamente sustenta parte dos repasses e parcerias.
Como sugestão, algumas medidas mitigatórias podem ser adotadas pelos municípios para diminuir o impacto causado por essa instabilidade administrativa:
- Revisão imediata do planejamento de caixa municipal para priorizar despesas essenciais e emergenciais;
- Auditoria interna de contratos que dependem de repasses estaduais, com cláusulas de contingência;
- Diversificação de fontes de financiamento (programas federais, parcerias público-privadas, fundos setoriais);
- Transparência reforçada para a população sobre a situação dos repasses e das obras;
- Articulação coletiva entre prefeitos (associações e consórcios) para reclamar garantias de continuidade de ações estaduais essenciais e negociar contrapartidas temporárias.
O afastamento do governador e as investigações envolvendo emendas para cestas básicas não são episódios isolados, mas parte de um ciclo de descontinuidade que, desde 2006, tem impedido que o Tocantins estabeleça um clima de previsibilidade administrativa. Para as prefeituras, o resultado imediato é aumento de riscos financeiros, paralisação de obras, fragilização de programas sociais e maior custo político para gerir demandas locais. Sem medidas de governança, maior controle sobre emendas e mecanismos formais que protejam convênios e programas essenciais, o ciclo de incerteza tenderá a comprometer ainda mais o desenvolvimento municipal no estado. Não é atoa que a quase uma década um terço da população tocantinense vive abaixo da linha de pobreza.
Carlos Assis
Mestre em Desenvolvimento Regional (UFT), especialista em Políticas Públicas para MPEs (Unicamp), contador e empresário. Foi secretário de Finanças de Palmas, diretor do SENAI e atuou por 20 anos no SEBRAE
@carlosassis
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