Coluna Poder Local: Como emendas parlamentares engessam as cidades e deixa prefeitos de mãos atadas

Participe do grupo do Eco News TO no WhatsApp, o maior portal de notícias do Tocantins, isenção e imparcialidade, e receba as notícias no celular.

No Brasil, boa parte do destino das cidades está nas mãos dos parlamentares. Como? Explico. Prefeitos, mesmo com projetos úteis ao bem comum e necessidades urgentes, ficam dependentes das emendas parlamentares para tirar obras e serviços do papel. Em tese, essas verbas extras servem para complementar o orçamento municipal. Na prática, viraram uma poderosa moeda de troca política no Brasil.

Levantamento do Portal de Transparência do Governo Federal mostra que, em 2024, cada deputado destinou, em média, R$ 15,3 milhões em emendas individuais, e em 2025 pode chegar a 38,9 milhões. Já para um Senador, esse valor pode chegar a 69 milhões — valor que supera todo o investimento anual realizado por 84% dos municípios brasileiros. Em quase um terço das cidades, as emendas representaram metade ou mais de todo o investimento local. Isso significa que um parlamentar tem, sozinho, mais poder de investimento que a maioria dos prefeitos.

Pesquisas da Fundação Getúlio Vargas e da Câmara dos Deputados apontam que as emendas, quando bem aplicadas, podem gerar avanços em saúde, renda e emprego. Mas há um porém: esses resultados são, em geral, pontuais e não substituem um planejamento contínuo. Em muitos casos, o repasse de recursos segue critérios eleitorais e não técnicos. É como um antitérmico, alivia o desconforto da febre no momento em que o medicamento é administrado, mas não elimina a causa da febre.

A Controladoria-Geral da União identificou ainda que cidades beneficiadas por emendas têm 25% mais incidência de corrupção do que as demais. Na saúde, estudo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva revelou distorções gritantes: municípios pequenos chegaram a receber até 16 vezes mais por habitante que cidades maiores, evidenciando desigualdade na distribuição.

O controle sobre as emendas cria um efeito perverso: o parlamentar se torna o “dono” de parte significativa do investimento local, enquanto o prefeito vira um articulador de recursos em Brasília ou na capital do estado, gastando mais tempo na busca de verbas do que na gestão das políticas públicas. Isso abre espaço para promessas seletivas, onde aliados políticos recebem mais atenção e recursos, enquanto opositores ficam no esquecimento.

Além disso, o uso estratégico das emendas fortalece o chamado “presidencialismo de coalizão” e seus equivalentes nos estados, onde o Executivo negocia apoio legislativo com base na liberação de recursos, impedindo a fiscalização. Isso porque o papel do parlamentar, dentre outros, é fiscalizar o executivo, mas esse papel torna-se secundário uma vez que ele passa a integrar a máquina de destinação de recursos aos municípios. Essa engrenagem, repetida há décadas, mantém o eleitor refém de favores pontuais, em vez de garantir políticas públicas contínuas e estruturantes. O resultado é uma sensação de progresso temporário, mas sem mudanças profundas na qualidade de vida.

Diante desse cenário, fica evidente que a dependência das cidades em relação às emendas parlamentares enfraquece o planejamento público, compromete a autonomia dos prefeitos e perpetua práticas políticas clientelistas. A solução passa, em parte, pela responsabilidade do eleitor: acompanhar, fiscalizar e votar em parlamentares comprometidos com a transparência e o desenvolvimento coletivo. Somente quando a sociedade deixar de aceitar favores pontuais, que viram moeda de troca por votos, e passar a exigir compromisso com políticas estruturantes, será possível inverter a lógica que mantém gestores reféns e municípios estagnados.

Carlos Assis

Mestre em Desenvolvimento Regional (UFT), especialista em Políticas Públicas para MPEs (Unicamp), contador e empresário. Foi secretário de Finanças de Palmas, diretor do SENAI e atuou por 20 anos no SEBRAE

@carlosjassis