Em depoimento à CPI da Covid, nesta terça-feira, 18, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo colocou na conta do Ministério da Saúde boa parte das falhas apontadas pelos senadores no combate à pandemia. Segundo ele, assuntos como acesso a cloroquina, resposta à carta da Pfizer e problemas com oxigênio em Manaus eram responsabilidade da pasta comandada por Eduardo Pazuello entre maio de 2020 e março de 2021, não do Itamaraty.
Logo no início do depoimento, Araújo deixou claro que a coordenação da política relacionada à covid-19 e a definição de estratégias cabiam “primordialmente ao Ministério da Saúde”. O Itamaraty, segundo ele, “atuou para viabilizar as importações de doações, de equipamentos, itens de proteção pessoal e para a execução da estratégia de vacinação”.
“Quase sempre as orientações que o Itamaraty recebeu vieram a partir do Ministério da Saúde, de acordo com o requisito do momento”, afirmou. “No caso da vacinação, por exemplo, houve uma estratégia definida basicamente pelo Ministério da Saúde, que foi apoiada pelo Itamaraty onde necessário”, pontuou.
Araújo afirmou que “houve orientações do presidente da República” em relação à pandemia, mas, quando questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre quais teriam sido, ele disse que não as recebeu diretamente. “Imagino que tenham sido passadas ao Ministério da Saúde”, acrescentou, ressaltando, mais uma vez, que o Itamaraty, “em praticamente em todos os momentos, atuou por coordenação com o ministério”.
A resposta foi parecida quando Renan perguntou se havia alguma estratégia de política internacional específica para a obtenção de vacinas contra a covid-19. “Sim, houve uma estratégia definida, ao que eu sei, fundamentalmente pelo Ministério da Saúde”, respondeu Araújo. “Mas sempre em coordenação conosco, quando necessário, em coordenação com Itamaraty”, acrescentou.
A estratégia, segundo ele, incluiu as negociações com a Oxford, a participação no consórcio Covax Facility e “outras iniciativas definidas a partir da avaliação do Ministério da Saúde”. Ele lembrou que a pasta, comandada por Pazuello na maior parte da pandemia, além de ter “condição de definir quais são as melhores vacinas e a melhor estratégia”, era a que tinha acesso ao orçamento destinado à compra de vacinas.
Perguntado sobre o que o Ministério das Relações Exteriores fez concretamente para que o Brasil obtivesse mais vacinas, Araújo voltou a dizer que quem centralizava a estratégia de vacinação era o Ministério da Saúde. “Ainda em janeiro de 2000, já instruímos vários postos no exterior, a pedido do Ministério da Saúde, para que prospectassem pesquisas que estivessem surgindo sobre medicamentos e vacinas”, acrescentou.
Renan também perguntou se Araújo se empenhou na negociação com os Estados Unidos por parte das 30 milhões de doses excedentes da vacina AstraZeneca que não seriam usadas no país. O ex-chanceler afirmou que recebeu uma comunicação, através da Embaixada em Washington, em março, sobre essa possibilidade.
O primeiro passo, disse, foi procurar o Ministério da Saúde. “Imediatamente fizemos contato com o Ministério da Saúde aqui para exatamente confirmar qual vacina queríamos pedir e comunicamos imediatamente aos Estados Unidos, pelos canais que a própria Casa Branca recomendou”, afirmou.
Produção e distribuição de cloroquina
Araújo afirmou que a aquisição de insumos para produção de hidroxicloroquina no Brasil, no ano passado, foi feita por iniciativa do Ministério da Saúde. “Em função de um pedido do Ministério da Saúde foi que nós procuramos ajudar a viabilizar uma importação de insumos para farmacêuticas brasileiras produzirem hidroxicloroquina”, disse.
Ainda sobre a cloroquina, Renan perguntou sobre uma troca de telegramas entre Araújo e o embaixador brasileiro na Índia, Elias Luna Santos, em que o ex-chanceler teria dado “apoio à busca de remédios supostamente milagrosos, como a cloroquina”. Segundo o relator, em março de 2020, o diplomata teria mediado, a pedido de Araújo, tratativas para importação da cloroquina.
De acordo com o ex-ministro, a iniciativa, mais uma vez, partiu da Saúde. “Como eu disse, essa atuação para liberar a exportação de uma determinada partida de hidroxicloroquina da Índia foi a pedido do Ministério da Saúde e devidamente justificada”, respondeu Araújo.
Renan perguntou qual foi o fundamento técnico para que o Ministério das Relações Exteriores orientasse os embaixadores brasileiros a “sensibilizar” o governo indiano a liberar a exportação de insumos para laboratórios que fabricam cloroquina. “É o mesmo caso anterior: um pedido do Ministério da Saúde, tendo em vista, pelo que nos foi comunicado à época, a baixa do estoque de hidroxicloroquina no Brasil”, disse Araújo.
A doação de cloroquina pelo governo dos Estados Unidos, em julho de 2020, também passou pelo Ministério da Saúde, contou o ex-chanceler. “O recebimento da doação foi comunicado ao Ministério da Saúde e não se verificou nenhuma razão para rejeitar essa doação, inclusive porque, nesse momento, segundo me consta, não havia ainda sido ainda solucionada a problemática da falta ou da escassez de hidroxicloroquina no sistema de saúde brasileiro”, disse.
Ele afirmou que a doação foi sugerida pelos Estados Unidos e aceita pelo Brasil. “Não houve uma solicitação brasileira, mas o Ministério da Saúde foi comunicado, inclusive fez o desembaraço aduaneiro da doação quando chegou ao Brasil”, contou. Ele disse não saber quem definiu a forma de distribuição desses medicamentos. “Não tenho conhecimento, senador. Imagino que tenha sido o Ministério da Saúde”, respondeu.
Covax Facility
Renan perguntou por que o Brasil aderiu à quantidade mínima de doses ofertadas pelo Covax Facility, consórcio internacional que facilita a distribuição de vacinas, suficiente para imunizar 10% da população, quando havia a opção de 50%. “Essa decisão não foi minha, não foi do Ministério das Relações Exteriores. Foi uma decisão do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, respondeu Araújo.
O ex-ministro disse não saber quais foram os fundamentos técnicos para aderir aos 10%, em vez dos 50%. “Para entrar pedindo os 10% foi uma decisão tomada, entendo, pelo Ministério da Saúde, e não sei se se coordenou com outros órgãos, mas não com o Itamaraty”, disse.
Perguntado sobre quem deu a ordem para que fossem contratados os 10%, Araújo respondeu: “Eu não sei quem deu a ordem. Entendo que qualquer decisão do Ministério da Saúde é responsabilidade do ministro da Saúde”, afirmou. “Como eu disse, não me lembro de como isso nos foi comunicado nessa ocasião”, ressatou.