Em decisão histórica, proferida nos autos da Ação nº 0026091-61.2023.8.27.2729/TO, o MM. Juiz, Dr. William Trigilio, indeferiu pedido de tutela de urgência formulado pela Associação Brasileira de Criminalística, a qual pretendia a suspensão da Portaria nº 189/2023.
Com sólidos fundamentos, evidenciou o Douto Magistrado que “… a Polícia Científica, reiteradamente e a pretexto de cumprir uma orientação (ao que tudo indica apenas verbal) de uma de suas Superintendências (sem qualquer respaldo legal diga-se de passagem), estaria, deliberadamente, deixando de observar a Portaria n. 189/2023 da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Tocantins, sob o esdrúxulo argumento de que seria necessário informar o número de inquérito policial ou outro procedimento congênere para a confecção do laudo (em outras palavras, mesmo após realizar a perícia requisitada pela autoridade policial, o laudo somente seria confeccionado após o delegado informar um número de inquérito ou outro procedimento similar).”
Além disso, esclareceu que “… o CPP NÃO condiciona a realização da perícia ou mesmo a confecção do laudo pericial à prévia existência de inquérito policial (ou outro procedimento congênere). Inclusive, as investigações podem preceder à existência de inquérito policial, como ocorre nos casos previstos no artigo 5º, § 3º, do CPP[1], quando a autoridade policial, apenas após verificar a procedência das informações (VPI), poderá mandar instaurar o inquérito policial. (…)”
Ademais, esclarecendo o papel da Perícia, asseverou o MM. Juiz:
“(…) Note-se que não cabe à Polícia Científica decidir se a autoridade policial deve ou não instaurar inquérito policial para, só então, requisitar uma perícia; não pode a Polícia Científica se negar a produzir perícia ou elaborar laudo pericial sob o fundamento de que é necessário informar o número de um inquérito policial.
A lei não restringe o poder requisitório do delegado de polícia à prévia instauração de inquérito policial. Logo, não é possível à Polícia Científica fazer essa restrição. A informação da lavratura de um Boletim de Ocorrência, com a indicação da sua numeração para efeito de controle, já é bastante para informar sobre a existência de procedimento policial em curso e para justificar a requisição da perícia, não podendo a Polícia Científica se negar a realizar perícia ou mesmo a produzir laudo apenas porque a requisição não está atrelada a um número de inquérito policial.
Inclusive, a Lei n. 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, assegura à autoridade policial o poder de requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (artigo 1º, § 2º), não havendo qualquer condicionante à prévia instauração de inquérito policial, apenas que a requisição seja realizada durante a investigação criminal (que não pressupõe, como dito e redito, a prévia instauração de inquérito policial), bastando a indicação do número de um boletim de ocorrência, por exemplo, conforme mencionado na Portaria n. 189/2023, para justificar que a requisição da perícia está atrelada a fatos que estão sendo formalmente apurados pelo delegado de polícia requisitante.”
Por fim, determinou o Insigne Julgador: “Que a Polícia Científica então cumpra as suas atribuições, com a realização das perícias e elaboração dos laudos periciais quando requisitados pelos delegados de polícia, até porque as condutas das autoridades policiais no curso das investigações que presidem são passíveis de controle, mas não pela Polícia Científica.”
O Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Tocantins – Sindepol/TO, Bruno Azevedo, enalteceu a decisão, “esclarecendo que o MM. Juiz de primeira instância, extremamente atento às normas constitucionais e processuais penais, demonstrou profundo conhecimento da realidade institucional e das características inerentes às investigações, as quais, conforme bem pontuou, “podem preceder à existência de inquérito policial, como ocorre nos casos previstos no artigo 5º, § 3º, do CPP”. Além disso, com bastante lucidez, estabeleceu claramente na decisão, não caber à perícia o papel de restringir o poder requisitório do Delegado de Polícia à prévia instauração de inquérito, haja vista que nem mesmo a lei impõe tal medida.
Assim, referida decisão representa mais um marco na preservação da ordem jurídica e na proteção dos cidadãos em sua dignidade, os quais somente devem ter contra si procedimentos hígidos, com a presença de um lastro mínimo probante, caracterizador da justa causa, não havendo legalidade e razoabilidade na exigência formal do número do procedimento de referência para a emissão de laudos, sobretudo ante aos gravíssimos riscos de cometimentos de injustiças ou abusos”.