A documentação médica é revestida pelo sigilo, seja pelo aspecto ético da profissão mas também conforme determinação legal, sendo que a falta de cuidado ou vazamentos podem acarretar em graves consequências.
Notícia recente publicada no site Conjur dá conta que o gerente de farmácia que foi identificado como responsável por vazar a receita médica do infectologista David Uip, quando em tratamento para COVID, será processado.
Ademais todos acompanhamos farta discussão sobre a possibilidade, ou não, do Presidente ter de apresentar exames realizados para detectar a contaminação por coronavirus.
Convicções políticas a parte, não deixa de ser uma discussão pulsante.
De fato, é fundamental compreendermos que toda a relação entre médico e paciente tem como premissa básica a confiança. Sem esse elemento, jamais se estabelecerá uma verdadeira conexão, de modo que o tratamento pode ser comprometido.
E disso decorre igualmente o dever de sigilo, de modo que o paciente não tenha expostos dados íntimos, respeitando assim os valores mais básicos da dignidade humana.
Por esse motivo o Código de Ética Médica tem um capítulo específico tratando dessa obrigatoriedade de sigilo. Evidente que existem algumas exceções – como no caso da notificação compulsória de determinadas doenças – mas que justamente por seu caráter excepcional devem ser tratadas com cautela e mediante critérios específicos.
Do ponto de vista jurídico, e de maneira sucinta, podemos destacar o artigo 154 do Código Penal que capitula como crime a violação de sigilo profissional, sem esquecermos da possível responsabilização civil, para qual teríamos campo fértil em nossa legislação.
Se não bastasse, a pandemia agregou uma nova modalidade de atendimento que trouxe ainda mais dúvidas: a telemedicina.
Isso porque o dever de sigilo e de cuidado com as informações segue de forma idêntica com o atendimento a distância, com o desafio majorado por conta da necessidade de se garantir a intimidade do paciente, a segurança e integridade dos dados.
Como todas as novidades trazidas, de fato ainda temos alguns desafios a serem enfrentados, mas penso que está ocorrendo certo exagero, tanto daqueles que defendem algumas plataformas muito específicas para atendimento, como dos profissionais que estão agindo com certo desleixo em relação a padrões mínimos de segurança.
Sabemos que alguns sistemas já oferecem segurança bastante satisfatória na comunicação com o paciente, com protocolos rígidos de segurança (como, por exemplo, aqueles que seguem os padrões HIPAA Compliance), porém, nos parece que nem todos os profissionais do Brasil têm, neste momento, acesso a tais ferramentas.
Sendo assim, limitar a telemedicina, nessa época tão delicada, por conta de critérios técnicos e de custo, nos parece com todo o respeito (e sem desmerecer a necessária segurança de dados) um certo elitismo, que em nada vai colaborar com o enfrentamento da pandemia.
De outro lado, não se pode admitir, em nome de uma suposta informalidade da telemedicina, o desleixo. Aliás, na relação médica essa palavra jamais deve ser admitida.
Essa nova modalidade não significa, por exemplo, o uso de qualquer plataforma de comunicação em massa para falar com seu paciente. Não significa que se pode fazer uma chamada de qualquer ambiente, com outras pessoas ao redor, que terão acesso a conversa. Igualmente não significa que se pode fazer uma chamada para o paciente enquanto se dirige, ou mesmo se está na academia.
É fundamental que o ambiente – tanto do médico quanto do paciente – permitam a total privacidade, o fornecimento de termo de consentimento prévio informando ao paciente as característica e limitações do teleatendimento, utilização de plataforma que garanta o sigilo das informações, cuidado com aquilo que se vai mandar por escrito ao paciente, que o prontuário (eletrônico ou físico) seja preenchido da forma criteriosa com as informações do atendimento, que ao final o médico se certifique que o paciente compreendeu todo o quanto exposto, não tendo ficado com qualquer dúvida, e, evidente, que a consulta virtual seja interrompida caso o profissional perceba que não atingirá os objetivos propostos, sendo substituída assim que possível pelo encontro presencial.
Feita de tal forma nos parece que ao menos nesse momento novo e de adaptação, as condições necessárias para preservar o sigilo das informações e privacidade do paciente estão garantidos.
Contudo, e como a vida é dinâmica, fundamental que com o aprimoramento dessa nova modalidade se aperfeiçoem igualmente as ferramentas que garantam o sigilo e privacidade dos pacientes, situação que tende a tomar mais relevância com a entrada da Lei Geral de Proteção de Dados em 2021. Mas isso é papo para outra coluna.