O PAPEL DA INOVAÇÃO ABERTA NO AGRONEGÓCIO

Para conseguirmos entender o papel da inovação no agronegócio, é interessante primeiro compreender melhor o que ele abrange exatamente. De forma simplificada, ele inclui todo o cenário que envolve os setores agrário e pecuário, os quais possuem três vertentes constituindo um fluxo: a primeira refere-se a tudo que é necessário para o início da produção, como máquinas, insumos (fertilizantes, defensivos, sementes etc) e capital (bancos, financiadores etc). A segunda está relacionada à produção propriamente dita, ligada diretamente ao produtor rural e ao campo. Por último, há o meio pelo qual os produtos chegam ao consumidor final, contemplando uma gama de etapas, desde o transporte (nacional e exportação), passando pelo beneficiamento (frigoríficos, indústria, laticínios, etc), até chegar ao consumidor final (lojas, supermercados, feiras etc.).

 

Tendo em vista toda essa rede, nota-se a grande importância do agro para a sociedade, sendo mais evidente no fornecimento de suprimentos para a alimentação, vestuário e nutrição animal, e nos setores energético e de papel e celulose. Além desta relevância, ele também é essencial, de forma indireta, para os cenários econômico e político na geração de empregos, posicionamento frente a outros países ou arrecadação de impostos relativos às vendas e exportações.

 

Diante disso, fica claro que o setor pode se beneficiar de maneira significativa com as iniciativas de inovação focadas em melhorá-lo e alavancá-lo, por criarem ou transformarem antigos métodos e produtos, com o objetivo de gerar oportunidades ou formas de solucionar problemas.

 

E, no panorama agro, esses desafios englobam principalmente o meio ambiente,  saúde, produção, logística, gestão e crédito. Portanto, tecnologias que remediem essas dores são fundamentais. Neste aspecto, as tendências são diversas, atreladas principalmente à produção, muitas vezes com alto grau de disrupção, tais como microrganismos implementados a ração ou água de animais, cujo foco é o ganho de massa e/ou prevenção de algum distúrbio, plantas modificadas com edição genética (miRNA, CRISPR etc), as quais podem adquirir resistência às estiagens ou pestes, e controle biológico de infinitas pragas mediado, por exemplos, por insetos e biomoléculas.

 

Embora vistas de forma tangencial, as inovações relacionadas à pré e pós produção também têm forte relevância no setor, a partir do uso da inteligência artificial, para gerar insights e previsões a fim de auxiliar determinados departamentos; aplicação de sensores para análise das condições climáticas e do solo, contagem de grãos, plantas ou animais e condições de silos e estoque; maquinaria pesada, drones e robôs, que aceleram e automatizam as várias etapas da produção, e dashboards inteligentes de organização de atividades, gestão financeira ou compras.

 

Quando se fala em dores em termos de promover a inovação, elas se relacionam muito ao financiamento e apoio para o desenvolvimento de soluções tecnológicas, sendo que cada país possui suas próprias políticas e incentivos neste meio. Neste contexto, a figura de nações em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, considerados importadores de tecnologia de ponta, está mudando devido aos incentivos no campo da inovação, principalmente para o agronegócio, visto a importância do setor.

 

Estas novas políticas e incentivos vêm alterando, também, o desenvolvimento da ciência brasileira, a qual possuía a característica de produção de ciência básica. Essa mudança é evidenciada com a sua utilização sendo aplicada à sociedade, no que se resume em desenvolvimento de produtos e processos, em grande parte, disruptivos, os quais possuem como porta de saída as startups, em alternativa ao contato direto com grandes empresas.

 

E elas são extremamente relevantes nesse processo, uma vez que possuem a junção das inovações aos negócios, de forma a valorizar o desenvolvimento tecnológico e criar um canal relevante entre os criadores das soluções e a sociedade, seja alcançando o mercado diretamente ou pelas grandes corporações. Neste contexto, o avanço das agtechs é demonstrado por um estudo realizado pela Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens Research and Consulting, que aponta um aumento de 40% destas startups do setor em 2021, quando comparado à 2019, com um total de 1574 companhias ativas, as quais buscam, além de atuação direta no setor, contratações serviços, adoção de produtos, M&A, investimento, co-desenvolvimento ou outras formas de parcerias com uma corporação.

 

E são vários os agentes do empreendedorismo e inovação, como incubadoras, aceleradoras e hubs, que promovem o avanço das startups, se relacionando com elas em vários momentos de seu desenvolvimento. É o que provam os dados do estudo citado acima, que mostra que em 2020 cerca de 78 instituições do ambiente de empreendedorismo e inovação investiram e/ou apoiaram 223 startups da área.

 

Embora os investimentos e apoios no desenvolvimento dessas startups sejam importantes, um outro agente fundamental são as empresas que propiciam o contato entre as startups e as corporações, visto que a diferença de maturidade entre elas, muitas vezes, é um impeditivo de negociações, necessitando, assim, de um intermediador.

 

Além disso, a falta de cultura de inovação aberta dentro das corporações também se mostra um problema, pois diversas vezes é necessário realizar uma estruturação para receber e aceitar a inovação vinda de fontes externas. Do outro lado, os empreendedores de startups, por terem geralmente um viés mais técnico, podem não compreender como é o fluxo, as demandas, prazos e posicionamento dentro de grandes companhias. Por isso, é fundamental o papel deste intermediador que garanta que as negociações entre ambas as partes ocorram de forma fluida, leve e que haja ganhos para todos, sendo cumpridas as metas estabelecidas.

 

As grandes empresas de vários setores já vêm investindo nesta abordagem, principalmente aquelas com ligação maior com o ambiente digital. Porém, outras áreas, em especial o agro, estão enxergando essa oportunidade, evidenciados pela consolidação dessas iniciativas na última década no Brasil. Segundo o 2º Censo AgTech Startups Brasil, 51% das 184 startups participantes da pesquisa, em um universo de pouco mais de 300 delas, possuem pelo menos uma parceria com uma corporação.

 

Por fim, outro ponto que merece atenção está relacionado aos problemas que o agro acarreta, ligados principalmente ao meio ambiente e à saúde. Porém, novas tecnologias, algumas já mencionadas anteriormente, estão surgindo com foco principalmente na produção sustentável e saudável, adotando as bases do ESG e desrotulando o agro desse viés negativo.

 

Além dessa mistificação do agro como vilão, também existe a caracterização de países, como o Brasil, sendo discriminados como vendedores de commodities. O setor de fato está vinculado às atividades de produção de suprimentos, matéria-prima para a manufatura, energia, dentre outros. Contudo, é evidente a importância dele na sociedade, em termos de suprimento econômico.

 

A questão aqui é assumir esse posto, mas com a função conjunta de desenvolvedor de tecnologias para a área agropecuária, passando a ser avançada e sustentável, e que o país possa vestir a camisa de exportador de tecnologias inovadoras para o setor. Neste aspecto, entra o papel fundamental da inovação tecnológica, tão necessária para esse e diversos outros setores.

 

*Carlos Montandon é Startup Hunter da Liga Ventures, maior rede de inovação da América Latina com o propósito de gerar resultados e impacto, conectando as melhores startups às empresas e a todo ecossistema empreendedor