O CORONAVÍRUS COMO DOENÇA OCUPACIONAL. É ISSO MESMO?

Nesses últimos dias mais uma situação que envolve a pandemia ganhou destaque, trazendo novas incertezas e especialmente muita interpretação equivocada: é verdade que agora o STF considera COVID doença ocupacional? Não é bem assim…

Concordo que a situação não é fácil e nem pode ser analisada de forma rasa ou fora de contexto. Até por isso debati esse assunto com grandes juristas, que são também amigos, para tentar formar um entendimento mais correto sobre o tema, cabendo inclusive agradecimento aos caros Drs. Alessandra Boscovic e Ricardo Monteiro.

Aos fatos: de forma resumida foram propostas sete ações perante o Supremo Tribunal Federal questionando alguns pontos da Medida Provisória 927 que dispõe sobre as medidas trabalhistas ao longo do período de calamidade causado pelo coronavírus.

O questionamento se dava, dentre outros pontos, também ao artigo 29 que diz: “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.

Traduzindo do juridiquês, basicamente da redação original se extraia que a obrigatoriedade de provar o vínculo entre a doença e o ambiente laboral era do empregado. 

As ações ajuizadas buscavam a suspensão de partes da Medida Provisória e tiveram negada liminar nesse sentido ainda no mês de março.

No dia 29/04/2020 foi retomada a análise pelo colegiado, e então um dos Ministros, Alexandre de Moraes, proferiu voto de divergência sustentando que se mantida a redação original seria praticamente impossível para algumas classes de trabalhadores provarem que efetivamente se contaminaram no ambiente de trabalho, como por exemplo, os motoboys que trabalham com entrega nesse período. E por conta disso votou pela suspensão do artigo 29, entendimento que foi acompanhado pela maioria dos Ministros.

Diante desse contexto significa então que agora toda e qualquer situação de contaminação de empregados vai, automaticamente, ser considerada doença ocupacional?

Não!

Muito cuidado com o que vem sendo divulgado pela internet e nos grupos de comunicação.

Nos parece que o raciocínio do Ministro se refere ao ônus de provar, ou seja, em quais situações essa obrigação será do empregador – de provar que não foi no ambiente laboral que houve contaminação – ou do empregado – em provar que efetivamente se contaminou naquele ambiente.

E isso não é novidade. No âmbito do direito do trabalho se estuda a diferença entre doença do trabalho (em que, como regra, quem deve provar sua existência é o empregado) e doença profissional (nas quais, como regra, se presume que de fato existe relação entre o trabalho e o dano alegado).

Portanto, e uma vez mais, não se disse em momento algum que imediatamente, em qualquer hipótese, será considerada a infecção por coronavírus uma doença ocupacional.

Cada eventual caso deve ser analisado conforme suas especificidades e com base na razoabilidade e experiência dos Magistrados.

Portanto, a nosso sentir, o que se extrai do julgamento não é uma afirmação irrestrita de que a contaminação por covid19 é uma doença ocupacional, mas sim que em possíveis casos dessa natureza deverão incidir as mesmas regras que se aplicam a outras enfermidades decorrentes (ou não) do ambiente de trabalho. E então, com base nisso e em parâmetros jurídicos, se definir a qual das partes (empregado ou empregador) incumbirá provar o que se está alegando.

  Por fim, especificamente aos empregadores da área da saúde (e em geral aqueles de atividades essenciais) a recomendação é que redobrem os cuidados com o fornecimento de EPI´s e adoção de todas as medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias com a devida informação aos funcionários, lembrando de documentar tudo o que for realizado.

Feito dessa forma não apenas se diminuirá a chance de efetiva contaminação de qualquer funcionário ou cliente, mas também em caso de possível demanda judicial futura certamente será mais factível provar ao Juiz da causa que todas as precauções e recomendações foram adotadas, e portanto, menos crível que o empregado tenha se infectado no ambiente laboral.

Como se vê são situações completamente novas, que apesar dos apontamentos acima, dependerão da criteriosa e razoável análise do Poder Judiciário em caso de processos que versem sobre esse assunto.

E tanto quanto o reforço nas medidas de higiene, vale também cuidar das “informações” que circulam na internet: muito cuidado que, por vezes, essas causam mais pânico que a própria pandemia.

* Colaboraram com ideias e sugestões ao texto a Dra. Alessandra Barrichello Boskovic, Doutora em direito pela PUC/PR e especialista em Direito do Trabalho e Dr. Ricardo Monteiro, especialista em direito médico.  

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