Poucos setores podem se gabar de crescimento no Brasil em 2020, em meio a uma pandemia global e expectativas de retração recorde na economia, mas a indústria de energia solar não só bateu recordes como entrará em 2021 com expectativas ainda melhores.
As instalações de geração solar no Brasil tiveram salto de 70% no ano, para 7,5 gigawatts (GW), quase metade da capacidade da hidrelétrica de Itaipu. O desempenho não passou batido entre investidores, e levou grandes elétricas globais e locais a ampliarem apostas na tecnologia no maior país da América Latina.
Empresas como a chinesa CGN, a norueguesa Statkraft e a VRTM, joint venture da canadense CPPIB com a Votorantim Energia, disseram recentemente que seus próximos projetos no Brasil devem envolver usinas fotovoltaicas.
A canadense Brookfield, de infraestrutura, estreou na fonte no país com a aquisição de uma usina gigante a ser concluída até 2023, enquanto a francesa Engie e a portuguesa EDP têm ampliado o foco na tecnologia, que entrou na mira até mesmo de petroleiras como a Shell para 2021.
“A solar ganhou corpo, está mudando de patamar e de escala. É uma fonte que se torna agora mais interessante para esse perfil de investidores, que são maiores, e antes olhavam mais outras renováveis, mais especificamente energia eólica”, disse à Reuters a diretora da consultoria Clean Energy Latin America (CELA), Camila Ramos.
Embora a expansão solar em 2020 ainda tenha ficado 1 GW abaixo do inicialmente previsto, com impactos da crise do coronavírus, o resultado final gera otimismo e mostra uma recuperação “em V”, disse o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia.
Ele destacou ainda que o ano marcou uma virada, com projetos de geração distribuída –que envolvem placas solares em telhados ou terrenos para atender diretamente à demanda de pessoas ou empresas– ultrapassando usinas de grande porte em capacidade. Mas evitou fazer projeções para 2021, dizendo que estudos ainda estão sendo feitos.
A construção desses ativos menores, conhecidos pela sigla GD, tem atraído milhares de pequenas empresas, mas também grandes grupos como a estatal mineira Cemig e a EDP Brasil, por exemplo, que recentemente entregou instalações em Taubaté (SP) que atenderão à demanda do grupo de telecomunicações TIM.
“Percebemos a vinda de uma terceira onda, das empresas ‘conservadoras’, essas que são os grandes transatlânticos. Elas estão vindo com força para solar no Brasil. Também vemos grandes clientes corporativos começando a comprar energia solar”, disse Sauaia, citando redução de custos com ganhos tecnológicos.
Um dos nichos que ampliou o interesse, principalmente em geração distribuída, é o setor agrícola, acrescentou ele. “O produtor rural também tem esse perfil mais conservador, porque ele já lida com o risco do clima. Estamos vendo que a solar começa a se tornar uma parceira muito intensa do agronegócio”.
Gigantes de olho
A EDP Brasil, da portuguesa EDP, que tem distribuidoras de energia, hidrelétricas e linhas de transmissão, passou mais recentemente a construir usinas fotovoltaicas e instalações de GD para atender à demanda de empresas como Banco do Brasil e Grupo Globo. Ela já instalou 28 MW e tem 30,8 MW em desenvolvimento.
“Em termos de tamanho, não são nossos maiores negócios… mas a principal avenida de crescimento da EDP Brasil está na geração solar”, disse à Reuters o vice-presidente da Estratégia e Novos Negócios da empresa, Carlos Andrade.
Na Engie Brasil Energia, da francesa Engie, o CEO Eduardo Sattamini disse em conferência recente com investidores que a empresa quer expandir sua atuação no ramo. “Na parte de geração, se a gente for pensar, como hoje já temos um parque eólico bastante robusto, a gente gostaria de crescer em solar.”
A Cemig criou um braço de GD, a Cemig Sim, enquanto também desenvolve uma carteira própria de projetos solares com 1,75 GW em capacidade, visando aproveitar o grande potencial de sua sede Minas Gerais para a geração fotovoltaica.
Além das apostas de companhias em novos projetos, o setor registra intensa movimentação em fusões e aquisições, e diversas negociações em andamento que podem resultar em operações a serem anunciadas em 2021, segundo Camila Ramos, da CELA.
Ela destacou que questões regulatórias também ajudam nesse maior apetite por ativos solares entre investidores, e mesmo empresas com alta demanda por eletricidade, após o governo ter anunciado que a partir de 2021 os preços spot do mercado de energia elétrica serão calculados em base horária, ao invés de semanal como atualmente.
Segundo especialistas, isso deve favorecer a precificação da produção solar, entregue ao sistema durante o dia, quando são registrados os picos de demanda.
Também pesa a favor a ampla disponibilidade de capital para os investimentos, em meio a um grande interesse tanto do mercado privado quanto de bancos de fomento como BNDES e BNB por empréstimos a projetos de energia renovável, o que não foi abalado durante a pandemia, segundo os analistas.
A Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês) projetou em outubro que a geração solar deve se firmar como a “rainha da eletricidade” na próxima década, com expansão média global de 12% ao ano, em meio à busca de diversos países por reduzir emissões de carbono.ENERGIA