O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que não cabe ao Estado brasileiro se pautar por ‘critérios políticos, partidários ou ideológicos’ ao escolher as vacinas contra covid-19 que serão distribuídas à população. O voto foi divulgado após o ministro pautar para o próximo dia 4 de dezembro o julgamento de duas ações que discutem se o governo Bolsonaro deve adquirir a vacina Coronavac, produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
Ambas as ações foram movidas por partidos da oposição após o presidente Jair Bolsonaro desautorizar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no anúncio de um termo de intenções para a aquisição de 46 milhões de doses da Sinovac. A reação do Planalto foi motivada por apoiadores do presidente, que criticaram a escolha do imunizante — alvo de disputa política entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
A Rede alega que o presidente agiu violando o direito à vida e à saúde com o objetivo de ‘privar a população brasileira de uma possibilidade de prevenção da covid-19 por puro preconceito ideológico’, enquanto o PCdoB, PSOL, PT, PSB e Cidadania foram ao Supremo para garantir que a União não atue para impedir o desenvolvimento da Coronavac no país.
Lewandowski nega o pedido para obrigar o governo federal a assinar o protocolo de intenções para adquirir a Coronavac, mas atende os pleitos dos partidos da oposição para obrigar o governo federal a tornar pública a estratégia de vacinação contra a covid, que deverá contemplar ‘a aquisição e distribuição universal de todas as vacinas disponíveis no mercado interno e internacional, comprovadamente eficazes e seguras’.
“Entendo que o Estado brasileiro não pode pautar-se por critérios políticos, partidários ou ideológicos para escolher ou rejeitar vacinas e respectivos insumos, nem discriminá-las com base apenas em sua origem, e muito menos repudiá-las por razões de caráter subjetivo, não lhe sendo lícito abrir mão de qualquer imunizante que venha mostrar-se eficaz e seguro contra a covid-19”, afirmou Lewandowski.
O ministro afirmou ainda que a ‘indefinição sobre os critérios de inclusão de determinadas vacinas no Plano Nacional de Imunizações’ gera perplexidade e insegurança na comunidade médico-científica e acarreta ‘indesejável desconfiança’ sobre os propósitos das autoridades sanitárias.
“Constitui dever incontornável da União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da covid-19, não podendo ela descartá-las no topo ou em parte, salvo se o fizer — e sempre de forma motivada — com base em evidências científicas sobre sua eficácia, acurácia, efetividade e segurança”, afirmou.
Em seu voto, Lewandowski determina que o governo federal apresente ao Supremo um ‘plano compreensivo e detalhado’ da estratégia de enfrentamento à pandemia, destacando ações, programas, projetos e parcerias, com a respectiva identificação de cronogramas e recursos financeiros destinados a cada uma delas.
A medida, segundo o ministro, visa assegurar ‘a oferta e distribuição tempestiva, universal e gratuita de vacinas em qualidade e quantidade suficiente para a imunização de toda a população brasileira’. O plano deverá ser atualizado a cada 30 dias até o final de 2021.
Vacinação obrigatória
Além das duas ações que discutem a aquisição da Coronavac pela União, o ministro Ricardo Lewandowski também é relator de outros dois processos que discutem a obrigatoriedade da vacinação contra a covid. Os pedidos são antagônicos: o PDT pede ao Supremo que reconheça a competência de estados e municípios para determinar a vacinação compulsória, enquanto o PTB pede que tal possibilidade seja declarada inconstitucional.
Em pareceres enviados ao Supremo, o governo Bolsonaro alegou que prefeitos e governadores não podem decidir sobre vacinação compulsória de covid-19 e que se tal cenário ocorrer, a decisão da Corte levaria a um ‘verdadeiro surrealismo federativo’. Para o governo, a medida poderia gerar até ‘atos de violência e ódio inéditos e absolutamente indesejados no histórico equilíbrio federativo brasileiro’.
A Advocacia-Geral da União, por sua vez, afirmou que o debate sobre a obrigatoriedade de vacinação é prematuro, visto que não há, no momento, nenhum imunizante autorizado no país. Por isso, qualquer decisão judicial sobre o assunto seria ‘desprovida de respaldo técnico-científico’.
“Uma vez que não há vacina disponível, a atribuição a priori de compulsoriedade geral à vacinação contra covid-19 refletiria uma decisão desprovida de respaldo técnico-científico, que restringiria indevidamente o âmbito de atuação dos demais Poderes na formulação de uma política pública de vacinação adequada”, alertou a AGU.