O inesperado anúncio do Banco Central nesta quarta-feira, 29, sobre a criação da nota de R$ 200 levantou dúvidas sobre a real necessidade de o país ter um valor tão alto em uma só nota em pleno 2020.
O BC argumenta que a única razão para a decisão é porque a pandemia impulsionou uma demanda maior por papel-moeda no Brasil. Isso aconteceu, segundo a autarquia, por conta de maiores saques para a formação de reservas e o pagamento em espécie aos beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600.
A crise fez o valor em circulação, ou seja, notas emitidas e nas mãos da população, disparar. Hoje, o montante é de R$ 342 bilhões, bem acima da média histórica de menos de R$ 300 bilhões.
Esse comportamento, tecnicamente chamado de entesouramento, acendeu um sinal de alerta na autoridade monetária, que viu o risco de faltar dinheiro em circulação. A nota de valor mais alto, nesse caso, vai permitir que as pessoas saquem valores maiores com a emissão de menos papel.
Na avaliação de economistas, essa demanda vai seguir em alta nesse momento de incerteza causado pela pandemia, mas isso pode mudar se o BC conseguir implementar a sua ampla agenda de digitalização financeira, que deve começar a se transformar em outubro com a chegada do sistema de pagamentos instantâneos (PIX).
“Parece contra intuitivo emitir mais notas no momento em que o digital está cada vez mais popular, mas não podemos deixar de lado que ainda há um percentual grande de brasileiros que não têm acesso, nem costume, nem educação financeira para tal”, diz Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest.
Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, até o final do ano passado, o Brasil tinha uma média de 45 milhões de pessoas desbancarizadas, ou seja, brasileiros que não movimentam a conta bancária há mais de seis meses ou que optaram por não ter conta em banco.
Além disso, no ano passado, o país tinha cerca de 70 milhões de pessoas, o que corresponde a 33% da população, utilizando aplicativos de celular para realizar serviços bancários, segundo dados da Pesquisa de Tecnologia Bancária 2019 da Federação Brasileira de Bancos.
Para Leonardo Hojaij, diretor-chefe do banco europeu Andbank no Brasil, a lógica faz sentido, mas a alta demanda por mais dinheiro físico na pandemia se concentra principalmente na população de rendas mais baixas, que foi a que mais recebeu o auxílio emergencial. “Nesse caso, a necessidade vai ser por notas de valores menores”, diz.
Assim como o BC, ambos afastam a inflação como um dos motivos para a emissão de notas de R$ 200. Hoje, a previsão do mercado financeiro para o IPCA (o índice oficial de preços) de 2020 está em 1,72%, bem abaixo da meta de 4% projetada no início do no. Ao longo das últimas duas décadas, contudo, o país passou por momentos de inflação alta o que reduziu o poder de compra da população.
Segundo uma análise feita pelo IPEADATA, em julho de 1994, no lançamento do Plano Real, R$ 17,20 reais eram suficientes para comprar o mesmo que a nota de R$ 100 compra atualmente. “A desvalorização do real nos últimos anos é fato, mas o único motivo que se tem para emitir cédulas mais altas é quando você tem inflação. E como isso não está acontecendo, imprimir notas mais altas não deveria ser prioridade agora”.