O número absoluto de casos de COVID-19 aumenta exponencialmente em nosso país. Por mais que a mortalidade dos casos confirmados em nosso país até 18/05/2020 seja de menos de 7%, o número absoluto de mais de 16000 óbitos e o colapso dos meios de saúde em diversas localidades traz um estado de desespero para que uma rápida solução seja encontrada.
E aí que começa o problema. Tratar vírus é complicado. Trabalhos “in vitro”, ou seja, estudos sobre o vírus em animais e células em laboratório formulam a hipótese terapêutica, mas a história nos mostra que nem sempre “in vivo” (no paciente), na vida real, aquele achado se concretiza em algo eficaz para conter a infecção.
Cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, nitazoxanida, ivermectina, teicoplasmina – diversos estudos observacionais foram lançados sobre essas drogas, que por vários mecanismos bioquímicos e diretos “in vitro” se mostraram capazes de inibir a replicação viral diminuindo então o processo inflamatório grave sistêmico desse vírus, e até postulam que seria bom o uso em fases iniciais não só para benefício do paciente, mas também para evitar a transmissão do vírus por tempo prolongado pelo hospedeiro.
Infelizmente a história mostra que tentativas prévias com outros coronavírus, dengue, influenza entre outros, não foram eficazes quando realizados bons estudos – os chamados “duplo cego randomizados” – onde um grupo de pacientes com uma doença específica é dividido em 2 ou mais tipos de terapêutica a ser testadas, pareados em características clínicas, bem definidos os objetivos do estudo, a amostra estatística necessária para comprovar os dados, e os pesquisadores assim como os pacientes não sabem se estão recebendo uma medicação que será testada ou um placebo (um preparado inócuo) e após o tempo necessário decorrido se analisa os resultados, comprovando ou não a eficácia e segurança por vezes da proposta terapêutica.
É de se esperar que antivirais como lopinavir + ritonavir, rendesivir entre outros por serem específicos para os vírus, tenham melhor resultado, mas ainda não temos a evidência científica definitiva como explicado acima. E mais, rendesivir, uma medicação criada para tratar Ébola, náo existe no Brasil.
Tocizulomab, interferon, plasma rico em anticorpos… tantas terapias imunológicas promissoras… mas na mesma situação. Da falta de evidências.
Mesmo os colegas médicos se encontram por angústia extrema clamando por protocolos de tratamento – um “X tudo pra mim por favor”, inclusive pedindo para usarmos terapias questionáveis, como altas doses de corticóides que, se usarmos o passado como base, não o serviram para tratar processos se síndrome respiratória aguda grave (SARS) de diversas etiologias inclusive viral, nem pra pneumonite viral, e nem para tratar síndromes de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) em geral – sua aplicação sempre se deu em casos selecionados e com resultados aquém do esperado. Na minha opinião, sem trabalhos definitivos ou outras indicações clínicas, até pelo risco de imunossupressão e piora da infecção viral, é temerário o uso.
Mas como os anos de janela cabe a contemporarização. Existem terapêuticas que sabemos que tem toxicidade mínima, que provavelmente “mal não vai fazer”. Tenho conversado caso a caso com meus pacientes, explicado as evidências e decidido em conjunto com eles, inclusive com termo de consentimento pois se tratam de terapias experimentais, quem tratar e com o que tratar. De forma clara e honesta, Sem falsas perspectivas.
Na minha opinião protocolos que usam tudo junto correm grande risco – hidroxicloroquina, cloroquina, azitromina, lopinavir e ritonavir aumentam QT, além de interagir de outras formas, essa terapia em conjunto pode levar a arritmias graves e potencialmente fatais. Muito cuidado com o “X tudo” !!!
No Brasil os antirretrovirais (lopinavir e ritonavir por exemplo) são de uso exclusivo do programa de tratamento de HIV do SUS – ou seja, se os infectologistas junto ao ministério de saúde não mudarem os protocolos nacionais, nem temos como usar. Muitos lugares não tem capacidade técnica de aplicar plasma rico em anticorpos, por estrutura do banco de sangue local mesmo.
E tem coisas muito racionais que podem ser feitas tranquilamente, os pacientes com pneumonite ou quadro mais graves, se não tiverem contraindicação, podem usar anticoagulação plena sim para prevenir os fenômenos tromboembólicos característicos do COVID- 19. Já usamos em diversas situações em medicina previamente, risco muito menor que o benefício em pacientes internados. Em baixas doses preventivas ambulatorialmente então não vejo problemas além do custo.
Estamos aprendendo sobre a doença. Testando hipóteses. Acho mais provável a vacina que a cura em médio espaço de tempo. Ano que vem talvez. Por ora as medidas de suporte e sanitárias de prevenção são as mais adequadas. Seguimos em frente, aprendendo a cada dia. Nós todos.