A disseminação extremamente rápida do coronavírus impôs uma série de restrições de mobilidade à humanidade. Para evitar a contaminação de um número ainda maior de pacientes o acesso ao tratamento médico ficou mais difícil. Em alguns casos como os famosos check ups, cirurgias eletivas sem risco de comprometimento de saúde à médio prazo, tratamentos estéticos, postergar a sua ida ao serviço de saúde pode não acarretar em problemas.
Mas existem os pacientes que precisam de atendimento para condições crônicas e agudas – e por vezes pelo medo de serem acometidos pelo vírus na ida ao consultório pode levar a consequências mortais. Houve um aumento absurdo no registro de mortes em domicílio por causas cardiovasculares em todo o mundo. E é esperado uma explosão de casos de câncer mais avançados após a pandemia. Eu mesmo já reencaminhei alguns pacientes com angina instável e infarto agudo do miocárdio que no meio da paranóia epidêmica que vivemos não queriam ir ao hospital ou até foram liberados para resolução ambulatorial para evitar a contaminação pelo coronavírus.
Cabe lembrar que há diversas doenças com maior morbimortalidade que o COVID-19 – as doenças isquêmicas cardíacas agudas são um bom exemplo. Mas além dos casos de urgência, e continuando o exemplo na minha área, existem os hipertensos que tem descompensado muito pelo estresse e dificuldade de manter dieta e exercícios na pandemia, os diabéticos, os pacientes com arritmia. Os pacientes que estão respeitando as medidas de isolamento social e moram em cidades distantes do seu centro de tratamento (aqui na região Norte 20% da população vive em áreas remotas, que demoram uma hora pelo menos para chegar a cidades demais de 50000 habitantes – além de termos a pior proporção de médicos do Brasil: 1,16/1000 habitantes). A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) estima que 1/3 da população das Américas não tenha acesso a tratamento de saúde !!! E isso na era pré COVID-19 !!!
Há a necessidade de prover atendimento de qualidade para essas pessoas com menor risco possível.
A boa notícia é que já temos a ferramenta !!! A Telemedicina, que foi definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “a prestação de serviços de saúde remotos nos componentes de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, pelos profissionais de saúde que utilizam as tecnologias de informação e comunicação, que lhes permitem trocar dados com o objetivo de facilitar o acesso e a oportunidade na prestação de serviços à população que tem limitações de fornecimento e acesso a serviços, ou ambos, em sua área geográfica”.
Confesso que tinha restrições há alguns aspectos do método – acho importante o contato humano na primeira consulta, o olho no olho, a avaliação do exame físico, auscultar sopros, ritmo cardíaco, pressão arterial, avaliar sinais de congestão – sou cardiologista, apesar de bem cético quanto a necessidade de um exame físico extremamente demorado para firmar um diagnóstico, às vezes definimos o diagnóstico sem exames subsidiários. Mas tenho de admitir que na maioria dos casos precisamos de exames de imagem, eletrocardiográficos e de laboratório para entender todo o quadro clínico. E que o principal método de diagnóstico é a história clínica contada pelo paciente ! E que portanto há muito espaço para o atendimento virtual.
Temos ferramentas como eletrocardiograma e exames radiológicos que pode ser analisados a distância, dispositivos como marca-passo e monitor de eventos cardíacos implantado podem ser analisados a distância, aparelhos digitais domiciliares como glicosímetros, oximetros e esfigmomanômetros (aparelho de pressão) que podem fornecer remotamente diversas informações para definirmos as condutas.
Há também a possibilidade do paciente passar em atendimento comum clínico em sua cidade que faria a consultoria on-line com o especialista, assim poderia colher os exames numa localidade sem ter de se deslocar ao grande centro, evitando se expor ao risco de se contaminar com o COVID-19. Existem diversos programas de combate ao tabagismo, monitorização de tratamentos de insuficiência cardíaca – obesidade – anticoagulação com eficácia comprovada cientificamente.
Realizei alguns atendimentos – desde crises de pânico, descontrole pressório e glicêmico, até sindromes gripais – no inicio da pandemia, quando a orientação era para ficar em casa por falta de exames diagnósticos, ajudando esses pacientes e até evitando que os mesmos quando confirmados como casos de COVID-19 se deslocassem para serviços médicos e expusessem outros pacientes ao risco de contaminação.
Uma iniciativa de um grande amigo, o doutor Raphael Brandão (de São Paulo), com outros colegas deve ser exaltada: chamada Missão Covid, que proporcionou dezenas de milhares de atendimentos gratuitos on-line para pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por coronavirus, orientando o tratamento de brasileiros em dezenas de países. Tenho muito orgulho desse tipo de atitude!
Também tive de transformar atendimentos por Telemedicina em presenciais – sintomas de dispnéia, desmaios arritmias e dor torácica importantes que não podiam ser definidos ou tratados em casa, aí a consulta prévia presencial me ajudou muito em alguns casos onde já tinha o diagnóstico de ansiedade, angina, insuficiência cardíaca formado.
O fato é que a pandemia acelerou o uso da Telemedicina – e esse caminho é sem volta. Temos de nos adaptar, respeitar as regras éticas e jurídicas que já estão bem definidas, realizar o registro da consulta em prontuário adequado, informar o paciente das limitações do método (um termo de consentimento é sugerido para o atendimento). A prescrição com assinatura eletrônica também foi liberada, facilitando o acesso a medicações controladas.
Vamos em frente, utilizando todas as ferramentas possíveis para vencermos a guerra! Um abraço a todos.