Portugal, país que se destacou pela disciplina na quarentena, agora terá de lidar com o processo de “desconfinamento”. O desafio é reativar a economia e a rotina dos portugueses sem provocar uma nova onda de transmissão do novo coronavírus.
Por isso, o país aposta novamente na cautela. O Estado de Emergência não vigora desde o dia 2 de maio, mas deu lugar ao Estado de Calamidade, para que o governo possa “puxar o freio”, caso a situação volte a piorar. No mais recente levantamento divulgado pelo ministério da Saúde, o país registrou um total de 1.163 mortes e 27.913 casos de covid-19. O aumento diário no número de casos mantém-se a valores baixos. Entre segunda (11) e terça-feira (12) foi de 0,8%.
Um plano de suspensão de medidas restritivas está em vigor. Ao mesmo tempo em que permite maior liberdade, impõe regras para evitar a disseminação da doença. As máscaras, por exemplo, tornaram-se obrigatórias nos transportes públicos e ambientes fechados. Se não forem usadas em metrôs e ônibus, por exemplo, a multa é de até 350 euros (R$ 2,2 mil).
Os cidadãos podem circular normalmente pelas ruas, desde que respeitem o “dever de recolhimento domiciliário” e não façam reuniões ou aglomerações com mais de 10 pessoas. Já os doentes de covid-19 e pessoas monitoradas são obrigados a permanecer em confinamento.
Na primeira fase do plano, compreendida entre 4 e 17 de maio, está autorizada a abertura do comércio local. São lojas com até 200 metros quadrados, livrarias, barbearias, cabeleireiros e outros estabelecimentos de pequeno porte.
Um alívio para esses comerciantes, que estavam desde o dia 19 de março com as portas fechadas e agora podem começar a recuperar o prejuízo.
É o caso de Mahmud Muhammad, sócio proprietário de uma rede de barbearias no norte do país. A paralisação total da empresa provocou “um prejuízo imensurável e irreparável”, nas palavras do empresário.
Junto com o alívio da reabertura, veio também um conjunto de obrigações. Os profissionais devem trabalhar equipados com luvas, máscaras e, dependendo do procedimento, viseiras. Os serviços só podem ser realizados mediante agendamento e os clientes que esperam pela vez não podem ficar dentro das lojas. Também devem ser disponibilizados álcool gel e máscaras aos fregueses.
Com a equipe toda equipada para o trabalho, Muhammad se mostra dividido entre a esperança destes novos dias e a preocupação com as finanças, já que o movimento nas barbearias é 40% menor do que antes da pandemia. “Eu tenho muita fé, sei que isso vai passar, mas no âmbito comercial, estou muito preocupado pelo cenário”, diz o empresário que é nascido na Jordânia, mas naturalizado brasileiro.
Este misto de otimismo com preocupação também é evidente nas palavras de Mafalda Neves, que trabalha como vendedora em uma loja de calçados na Rua Santa Catarina, uma das mais importantes para o comércio da Cidade do Porto. Mafalda admite que não é fácil se acostumar com as novas regras, principalmente quando há clientes que insistem em desrespeitá-las. “Há clientes que não entendem. Muitos não querem usar máscara, por isso tem que explicar que é obrigatório e pronto”, diz a vendedora.
A volta ao trabalho foi fundamental para Mafalda sair do aperto. A loja chegou a receber benefícios do Governo para conseguir manter os empregos. Por isso, durante a quarentena ela teve que se virar com o salário mínimo de 635 euros (R$ 4 mil). Um ordenado menor do que costuma ganhar e que ainda tem 11% de desconto para a segurança social. “Para pagar escola, rendas (aluguel), água, luz e se alimentar, não dá. Graças ao meu patrão agora pudemos abrir as lojas e receber mais um bocadinho”, explica Mafalda que tem uma filha de sete anos.
Antes da entrevista para esta reportagem, Mafalda acabara de transmitir sua insatisfação com o benefício do governo, diretamente ao primeiro-ministro Antônio Costa. Isso porque a loja em que ela trabalha foi um dos estabelecimentos visitados pelo chefe de Estado, na última sexta-feira (08).
Costa foi até região central da Cidade do Porto com o objetivo de transmitir confiança e ânimo à população. Andou de metrô, percorreu as ruas, conversou com comerciantes e pessoas que o abordavam pelo caminho. “Podem viajar em segurança nos transportes públicos e podem ir com segurança ao comércio local. É importante que todos vamos vencendo o receio legítimo que temos relativamente à situação do vírus”, disse durante entrevista coletiva.
Ao final da coletiva, o primeiro-ministro reiterou que não haverá medidas de austeridade para contornar a crise econômica gerada pela pandemia.
“Seguramente o que esta crise precisa não é de austeridade… O desafio que nós temos é dar confiança às pessoas”, declarou Costa.
De acordo com a Comissão Europeia, a queda no PIB de Portugal neste ano deve ser de 6,8%. Já a taxa de desemprego deve saltar dos 6,5% em 2019 para 9,7% em 2020. Previsões que são ainda mais otimistas que as do FMI, que estima recessão de 8% e desemprego a 13,9% este ano.
Próximos passos
Seguindo o plano de “desconfinamento”, Portugal deve fazer uma avaliação do relaxamento das medidas restritivas a cada 15 dias. “É importante que o governo esteja atento àquilo que está a acontecer (…) em termos do número novo de infecções, evolução da mortalidade, cuidados intensivos e até dos doentes internados por covid-19”, afirma o bastonário da Ordem dos Médicos de Portugal, Miguel Guimarães.
A partir da próxima segunda-feira (18), a reabertura será maior em Portugal, com a segunda etapa do “desconfinamento”.
Depois de dois meses, os portugueses poderão fazer uma das coisas que mais apreciam: comer fora. Restaurantes, bares e cafés poderão abrir, mediante novas obrigações, como medidas de higienização mais frequentes e rigorosas e redução da capacidade máxima para garantir a distância de até 2 metros entre as pessoas.
Alívio para o Antônio Aleixo, que é gerente de uma confeitaria no centro da Cidade do Porto. O estabelecimento abriu no dia 4, mas ainda tem muito pouco movimento. “Estamos ainda a ‘conta gotas’. Mas a gente está otimista. As pessoas querem tomar um cafezinho e sentar, comer um pastelzinho de Belém. São coisas que não fazem em casa”, diz.
A segunda etapa também contempla outros espaços, como lojas de até 400 metros quadrados, museus, monumentos, creches e escolas para estudantes do ensino secundário (semelhante ao ensino médio).
No final do mês as igrejas reabrem as portas e o futebol retoma algumas competições.
E a partir do dia 1º de junho, o plano contempla a abertura de espaços como cinemas, teatros, centros comerciais e grandes lojas. Também libera parcialmente o trabalho presencial nas empresas que estão em “home office”.
Para o bastonário da Ordem dos Médicos, o desconfinamento em Portugal começou na hora certa, embora a situação ainda seja preocupante. Mas ele acha que o momento não deve ser encarado com medo pela população e sim com “respeito ao vírus”: acatar as regras de proteção como usar máscaras e manter o distanciamento físico, etiqueta respiratória e higiene das mãos é fundamental para que o plano dê certo.
“Esta batalha não se ganha só com os políticos ou com os médicos, se ganha com os cidadãos”, declara o médico.