Se o governo quer salvar vidas e retomar a economia, o caminho é aumentar os testes para coronavírus e produzir equipamentos de proteção para as pessoas poderem voltar a trabalhar mesmo enquanto o vírus está em circulação. Essa é a recomendação do economista Paul Romer, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2018.
Em entrevista à BBC News Brasil, o professor da New York University (NYU) disse que as respostas econômicas convencionais para combater recessão não vão funcionar até que as pessoas possam voltar a trabalhar em segurança.
“É um desperdício de recursos tentar levar as pessoas de volta ao trabalho se você não encontrou uma maneira de tornar seguro que elas voltem ao trabalho”, disse.
Romer afirmou que a crise gerada pela pandemia pode ser pior que a Grande Depressão “se os governos não agirem rapidamente para garantir que as pessoas voltem ao trabalho de forma segura”.
O economista americano criticou a possibilidade de criar “passaportes de imunidade”, aventada pelo Brasil e pelo Reino Unido, para permitir a circulação de pessoas recuperadas da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Essa medida levaria, segundo ele, a muitas infecções e mortes.
“Essa política não faz sentido, a menos que você queira dizer que deseja que a maioria das pessoas em sua economia seja infectada e que entende que parte delas morrerá, e aí, depois disso, deixaremos as pessoas que se recuperaram voltarem ao trabalho.”
Romer, que foi economista-chefe do Banco Mundial, diz que é nossa “obrigação moral” proteger os trabalhadores essenciais, que seguem se expondo ao ir trabalhar, como enfermeiros, médicos, policiais e motoristas.
“Devemos parar todas as outras atividades produtivas e dedicar todos os nossos recursos à produção de equipamento de proteção que esses trabalhadores precisam para estar seguros quando interagirem com o público. Nós não estamos nos esforçando o suficiente para produzir o equipamento de que eles precisam”, disse.
Em artigo publicado no fim de março no jornal The New York Times, Romer termina assim: “John Maynard Keynes disse que, no longo prazo, estaremos todos mortos. Se mantivermos nossa atual estratégia de supressão baseada na distância social indiscriminada por 12 a 18 meses, a maioria de nós ainda estará viva. É a nossa economia que estará morta.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista à BBC News Brasil:
BBC News Brasil – Você afirmou que os epidemiologistas deveriam focar na área deles e apontar a quantidade de testes necessários para retomarmos à normalidade. O que você acredita que eles estão fazendo de errado e em qual cenário defende que é possível retornar às atividades?
Paul Romer – Se pudermos testar mais pessoas, isso vai salvar vidas e nos ajudar a recuperar a economia. Alguns funcionários públicos responsáveis pela área de saúde e alguns epidemiologistas dizem que não é viável testar mais pessoas, que nunca conseguiríamos fazer isso.
Eles querem recomendar outras políticas para conter a pandemia, e tudo bem. Mas eles não têm o conhecimento necessário para descartar uma política baseada em testes dizendo que ‘não importa se isso vai conter a pandemia, porque nunca a adotaremos, então nem pense nisso’.
BBC News Brasil – Você acredita que em breve haverá capacidade de fazer muitos testes? É factível?
Romer – Se testarmos as pessoas e isolarmos as que estão infectadas, podemos, ao mesmo tempo, conter a pandemia e proteger os trabalhadores que já estão trabalhando (em atividades essenciais), além de aprender como faremos para que mais pessoas voltem ao trabalho.
BBC News Brasil – E quem pode determinar quantos testes são necessários e dizer se é factível?
Romer – É um cálculo muito simples: uma boa taxa para trabalharmos neste momento é a capacidade de testar todos na economia a cada duas semanas. Para chegar ao número de testes necessários por dia nesse cenário, divida a população por 14.
BBC News Brasil – Será mais difícil para países com economias menos desenvolvidas retomar a atividade econômica? Há cuidados extras que países como o Brasil devem tomar?
Romer – O Brasil, como todos os países, deveria encontrar uma forma para testar as pessoas, para dizer para os infectados ‘você precisa ir para a quarentena ou isolamento’.
BBC News Brasil – O Reino Unido e o Brasil, por exemplo, aventaram a possibilidade de criar “passaportes de imunidade”. O sr. concorda?
Romer – Acho que essa política não faz sentido, a menos que você queira dizer que deseja que a maioria das pessoas em sua economia seja infectada e que entende que parte delas morrerá, e aí, depois disso, deixaremos as pessoas que se recuperaram voltarem ao trabalho. Essa política levará a muitas infecções e muitas mortes.
A minha proposta não é testar para ver quem se recuperou da doença. Estou dizendo para testarmos e vermos que está infectado: se você está infectado, você deve ficar isolado. Essa é a diferença entre o teste de anticorpos, que pode dizer se você está recuperado, e o teste de vírus, que testa se alguém está doente ou infectado.
BBC News Brasil – A solução para esta crise pode estar em “imprimir dinheiro”, como sugeriram alguns economistas?
Romer – As respostas econômicas convencionais para recessão não vão funcionar até que as pessoas possam voltar a trabalhar em segurança. Por isso, é um desperdício de recursos tentar levar as pessoas de volta ao trabalho se você não encontrou uma maneira de tornar seguro que elas voltem ao trabalho.
BBC News Brasil – Sobre a produção de equipamento de proteção individual, é papel do governo dar algum tipo de estímulo?
Romer – É muito importante que o governo disponibilize o equipamento de proteção individual da forma mais ampla possível e a baixo custo.
Vamos explicar o motivo: há pessoas que já estão indo trabalhar – enfermeiras, médicos, policiais, motoristas de ambulâncias – e que estão expostas ao risco de infecção e morte. E, se pedimos que eles façam esses trabalhos por nós, é nossa responsabilidade moral e nossa obrigação moral protegê-los da melhor maneira possível.
Por isso, devemos parar todas as outras atividades produtivas e dedicar todos os nossos recursos à produção de equipamento de proteção de que esses trabalhadores precisam para estar seguros quando interagirem com o público. Nós não estamos nos esforçando o suficiente para produzir o equipamento de que eles precisam.
A outra coisa que não estamos fazendo é testar esses trabalhadores para que, se um policial estiver infectado, mas sem sintomas, consigamos garantir que ele não vá trabalhar e infecte muitos outros policiais.
Precisamos fornecer equipamentos de proteção aos trabalhadores essenciais e testá-los com frequência, talvez todos os dias no caso deles, para garantir que eles não transmitam aos seus colegas.
BBC News Brasil – E como o governo poderia estimular essa produção, que o sr. disse que deve ser ampla e a baixo custo?
Romer – Se o governo direcionasse dinheiro à produção de equipamentos de proteção, se o governo dedicasse dinheiro à ampliação de nossa capacidade de testar, teríamos mais equipamentos de proteção e teríamos mais testes.
É a curva da oferta: quanto mais você deseja pagar, mais recebe e, se não pagarmos mais, não receberemos mais, e isso significa que não conseguiremos proteger nossos trabalhadores essenciais.
BBC News Brasil – Cobra-se muito que as pessoas tenham poupança para fases difíceis. Mas vemos muitas empresas grandes que, com dois meses de crise, recorrem ao governo. Elas devem receber ajuda do Estado? E as grandes empresas que adotaram robustos programas de recompras de ações recentemente, o contribuinte deve salvá-las também?
Romer – O primeiro passo é: se uma empresa precisa de mais recursos para sobreviver, deverá vender mais ações. A maneira de uma empresa obter mais fundos é vendendo ações. Em vez de recomprar ações, que é uma maneira de se desfazer do dinheiro, a empresa precisa vender ações.
Portanto, a primeira coisa que o governo deve dizer é: não emprestamos dinheiro a empresas que estavam se desfazendo de todo o seu dinheiro até que primeiro façam o contrário e comecem a vender mais ações para obter mais dinheiro.
BBC News Brasil – Há paralelo desta crise com a Grande Depressão?
Romer – Acredito que pode ser tão ruim quanto a Grande Depressão. Se os governos não agirem rapidamente para garantir que as pessoas possam voltar ao trabalho de forma segura, podemos ter uma crise econômica pior que a Grande Depressão.
BBC News Brasil – Essa crise pode mudar a desigualdade entre países e dentro dos países?
Romer – Todas essas perguntas são importantes, mas não são tão urgentes quanto as dúvidas que enfrentamos sobre como salvar vidas – especialmente as vidas dos trabalhadores essenciais, que morrerão mesmo enquanto implementamos nossas políticas de quarentena e isolamento social.
BBC News Brasil – Uma eventual mudança no nível de comércio internacional depois da pandemia também é uma questão secundária?
Romer – Reforço que nós simplesmente não podemos nos concentrar em nenhuma outra questão até nos concentrarmos nessa questão de gastar dinheiro com as coisas que salvarão vidas: equipamentos de proteção e testes.