Cancelado. Suspenso. Adiado. Anulado. Fechado. É o que mais se vê, numa altura em que o Covid-19 se espalha pela Europa deitando por terra planos de viagens de milhões de turistas. Os efeitos ainda não estão contabilizados, mas já se fazem sentir no cancelamento das maiores feiras e nas férias. E podem piorar ainda antes da Páscoa, entre uma China congelada e uma Itália de quarentena, com os habituais visitantes de destinos de neve ou religiosos (Meca, Lurdes, Fátima) a ficar em terra.
Pela primeira vez em mais de uma década, o tráfego aéreo global pode quebrar. Serão -5%, quando se previa uma subida de 4% para este ano, varrendo perto de 30 mil milhões de euros dos resultados das companhias de aviação, antecipa a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), e fazendo regressar os fantasmas da crise financeira de 2008 ao turismo, à indústria e a toda a economia mundial.
Por cá ainda não há infetados mas a economia já foi contagiada, ainda que a pauta oficial apele à calma. O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, encarregou o IAPMEI de fazer a recolha da situação dos vários setores e segunda-feira há reunião de avaliação com representantes setoriais.
De Páscoa a Fátima: turismo vai sofrer
Para já, a AICEP mantém o discurso alinhado com as declarações que emitiu no final de janeiro: é cedo para quantificar o impacto nas empresas nacionais e atividades económicas Lisboa-Pequim. Mas “poderá haver repercussões em Portugal”, tendo em conta os desenvolvimentos em Itália, admite a entidade liderada por Castro Henriques. “Temos recebido contactos de empresas e associações e disponibilizado toda a informação e apoio através dos serviços aqui e das delegações espalhadas pelo mundo.” A AICEP indica que, dado o peso e a dimensão económica da China, “além do impacto no comércio global, também poderá ter efeitos. Até novembro, as exportações portuguesas para Pequim valiam 553 milhões, com o gigante asiático a ocupar a 15.ª posição no ranking de clientes dos nossos produtos. Enquanto na perspetiva fornecedor de Portugal, assume ainda maior relevância: é o sexto maior.
Quanto ao turismo, a preocupação excede em muito as fronteiras chinesas: se esse não é um dos maiores mercados emissores, a entrada do vírus na Europa tem já impactos em várias áreas. Há cancelamentos em hotéis desde janeiro (aquando da deliberação das autoridades em Pequim de suspender viagens organizadas); reconhecendo “abrandamento significativo” a easyJet decidiu cancelar voos, principalmente de e para Itália; o líder da associação de agências de viagens admitiu já cancelamentos.
No segmento dos eventos, um dos mais fortes e que ajudam a combater a sazonalidade, a Associação de Turismo de Lisboa garante ao Dinheiro Vivo que, “até ao momento, não há conhecimento de cancelamentos em Lisboa”.
A semanas da Páscoa, a presidente da Associação da Hotelaria de Portugal não quer antecipar resultados. Cristina Siza Vieira sublinha que “faltam cerca de 40 dias e a expectativa é de que esteja bom tempo e até lá se atinja o pico e alguma remissão do vírus”. A ser assim, não se estimam cancelamentos significativos. “A não ser, mantendo-se o medo de viajar, terá um peso mais expressivo.” Razão pela qual a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, admite estar, “em articulação com outras áreas governativas e autoridades de saúde pública, atenta e a acompanhar empenhadamente todos os desenvolvimentos em torno do Covid-19”. “Os portugueses vão analisar a oportunidade da manutenção das viagens com bom senso, sendo certo que a OMS não coloca, nesta altura, entraves”, sublinha a governante.
O Pestana, o maior grupo hoteleiro nacional, assume sentir um impacto negativo “desde janeiro com abrandamento nas reservas e cancelamentos ou adiamentos, em especial de grupos”. No Vila Galé, segundo maior, as reservas ainda não sofreram contágio. Mas os cancelamentos “estão a surgir e não é apenas no mercado de lazer”, sublinha Cristina Siza Vieira, admitindo a probabilidade de Fátima vir a sofrer cancelamentos por parte dos mercados sul-coreano e italiano.
Investimento imobiliário abranda
Face à importância que o investimento estrangeiro ganhou no imobiliário em Portugal, o setor também está a acompanhar a evolução do surto com cautela. Luís Lima admite que o investimento pode ter quebras. “Os investimentos são postos em causa face ao alastrar do vírus, muitos estão a abster-se de investir à medida que o número de casos aumenta no mundo. Com a possibilidade de as viagens diminuírem, e consequentemente o volume de negócios das empresas se reduzir, é expectável que o imobiliário, nomeadamente o português, sofra. Há uma união de facto entre turismo e imobiliário, e tudo o que afeta um impacta o outro”, destaca o presidente da Associação dos Profissionais de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).
O impedimento às viagens – oficiais ou por receio – também resulta em contágio acrescido, conforme demonstra o inquérito ontem revelado pela Associação Empresarial de Portugal. Dificuldades de abastecimento no exterior, em particular de matérias-primas mas também de produtos, menos encomendas, cancelamento ou adiamento de eventos, movimentações dificultadas, fecho de fábricas e abrandamento económico “estão entre os principais constrangimentos apontados pelos empresários”. “Apesar de mais de metade das empresas referirem não sentir ainda, um quinto já reconhece efeitos negativos significativos ou muito significativos” e quase todos aguardam o embate em força nos seus negócios, rejeitando em absoluto a ideia de que a quebra internacional pode ser uma oportunidade.
No calçado, Itália é a maior preocupação
Importadores de componentes da China, os fabricantes de sapatos admitem mesmo que, se a indústria chinesa se mantiver parada, a situação pode complicar-se. Em causa estão solas, palmilhas e outros acessórios, com Pequim a contribuir com cinco dos 60 milhões de euros de componentes importados ao ano. Já como destino China e Hong Kong valem quase 30 milhões e cresceram a dois dígitos no ano passado, sendo o território autónomo o mercado que mais valoriza os sapatos made in Portugal (63,60 euros/par, contra 43,82 na China continental e o valor médio das exportações: 23,25 euros).