A cidade e a nossa negligência elegante

Ah, a cidade! Aquele lugar que está sempre ali, parada, indiferente, enquanto nos preocupamos com o dólar, a inflação, a Selic e as medidas que uma multinacional tomará em algum lugar obscuro do globo. E nós, claro, nos achamos muito sofisticados por isso. Mas e a cidade? Essa ninguém nota, como um convidado ignorado numa festa onde todos preferem falar sobre o convidado ausente.

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A verdade inconveniente é que nenhuma economia se sustenta sem planejamento urbano – um detalhe tão básico quanto desagradável para quem prefere o glamour das grandes discussões econômicas. Cidades moldam o cotidiano e os custos da vida de maneira implacável. Longas distâncias? Mais combustível, mais tempo perdido, menos paciência. Deslocamentos curtos? Menos poluição, menos estresse e, vejam só, mais qualidade de vida. Sim, é uma equação simples, mas quem quer ouvir isso quando podemos culpar “a política monetária”?

Lá pelos anos 70, decidimos que o carro deveria ser nosso melhor amigo – um amigo caro, diga-se. A cidade foi replanejada para ele, afastando pessoas, negócios e a própria humanidade. Era o futuro, diziam, como se houvesse algo de futurista em gastar horas no trânsito. Enquanto isso, cidades europeias, com seus prédios grudados e ruas estreitas, prosperavam. Mas aqui, claro, preferimos o “modernismo”, essa palavra chique que ninguém sabe ao certo o que significa.

Cidades não são apenas concreto e asfalto; elas são também ideologia e desejo. E que ideologia escolhemos? A do isolamento. Escolhemos ruas largas e afastamentos generosos, como se cada casa precisasse de um campo de força ao redor. Transformamos bairros em desertos de concreto, onde a interação humana é um milagre raro. Afinal, quem precisa de vizinhos quando se tem um carro na garagem? E ainda nos perguntamos por que o conceito de comunidade está morrendo.

Alain Bertaud, esse insuportavelmente lúcido, já nos avisou: a cidade não pode ser engessada por burocratas que, na ânsia de “ordenar”, sufocam. O urbanismo deveria ser o palco da liberdade humana, não a prisão de seus impulsos. Mas quem liga? Mais fácil é seguir repetindo os erros do passado e chamá-los de planejamento. Afinal, a inércia tem um charme irresistível para quem nunca precisou pegar um ônibus lotado.

E enquanto discutimos o “desmatamento zero” em conferências internacionais, nos esquecemos do óbvio: quanto menos densas forem as cidades, mais floresta será derrubada para sustentar nossa dispersão urbana. Precisamos mesmo construir condomínios a quilômetros de distância, enquanto o centro apodrece? Ou é só mais uma maneira de disfarçar o vazio que criamos ao afastar tudo e todos?

E então chegamos ao ponto final – ou será o começo? Como é que aceitamos viver em cidades que mais nos afastam do que nos aproximam? Por que transformamos o ato de viver em uma luta constante contra o espaço que deveríamos chamar de lar? E se, no fim das contas, a cidade for apenas um reflexo de nossa própria desordem interna? Afinal, é a cidade que está quebrada – ou somos nós?

Alex Andrew

Presidente da juventude do partido NOVO-TO

Coordenador do projeto sextas na cidade