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A não realização do Censo 2021 do IBGE: um erro imperdoável do Estado brasileiro que possivelmente lhe custará outra década perdida

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Desde a sua mais tenra idade, o Estado brasileiro tem sido singularmente profuso em dar exemplos de condução amadora de políticas públicas e de “improvisos criativos” em relação às medidas macroeconômicas, que ficaram marcadas na história muito mais pelo caráter folhetinesco e folclórico do que propriamente por possuírem algum mérito técnico ou produzirem resultados mensuráveis. É sintomático, aliás, que o achismo anticientífico e a decorrente visão de curtíssimo prazo sempre tenham sido a marca característica da gestão pública brasileira, privando-nos de racionalidade e de visão estratégica.

O histórico brasileiro revela que, via de regra, as políticas públicas e as decisões econômicas costumam ser tomadas ao sabor das contingências e conveniências de cunho político-eleitoral, o que, a rigor, subverte a lógica administrativa segundo a qual as decisões gerenciais (em especial as de natureza política e econômica) não podem ser determinadas pelo aleatório e nem tampouco “pensadas com o fígado”, haja vista que todos os casos de sucesso conhecidos no mundo (a exemplo da Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, países nórdicos e mesmo o nosso vizinho Uruguai) têm, como elemento comum, a gestão pública baseada em evidências, em cuja tomada de decisão advém da análise racional, técnica e pragmática de dados e informações, a partir de um planejamento sistêmico e da definição de indicadores de resultados.

O total desapreço da política brasileira por dados e evidências científicas impediu que o país concebesse um planejamento efetivamente estruturante – de longo prazo (condição sine qua non ao desenvolvimento socioeconômico duradouro e sustentável), visto que tal planejamento sempre acabou preterido em razão de fatores circunstanciais ou em decorrência da busca incessante por lograr rápidos dividendos políticos e midiáticos. Não por acaso, proliferaram no Brasil medidas econômico-pirotécnicas que vislumbravam efeitos imediatistas, mas que tinham, ao final, pífios ou mesmo desastrosos resultados.

Por conseguinte, qualquer discussão que se pretenda séria acerca de um modelo de desenvolvimento socioeconômicoque seja viável para a complexa realidade brasileira, independentemente das matizes de opinião que o tema suscita, deve ter como premissa necessária a obtenção e a análise de dados referenciais e informações técnicas confiáveis, razão pela qual o trabalho do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a realização, no mínimo decenal, do Censo Demográfico brasileiro são tão imprescindíveis.

Assim sendo, causa-nos incredulidade e profundo pesar que o orçamento da União destinado ao IBGE tenha sido a tal ponto contingenciado (e negligenciado) que, na prática, culminou por impedir a realização do censo demográfico previsto para este ano, o que, por certo, deixará ainda mais precária a já insubsistente orientação técnica e estratégica das políticas públicas brasileiras.

Essa situação provocou o pedido de demissão da então presidente do IBGE, a economista Susana Cordeiro, que, ao deixar o cargo, prenunciou que o corte no orçamento do IBGE para o Censo 2021 (da ordem de 90%), ao inviabilizar a realização do Censo, terá efeitos deletérios para o país, posto que são os dados coletados decenalmente pelo Censo que permitem o cálculo do PIB per capta e do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (sem os quais a realidade socioeconômica do país restará obscura ou “mascarada”), bem como são esses dados que orientam as políticas públicas e até mesmo determinam a divisão de verbas entre estados e municípios e, ainda, dimensionam os órgãos legislativos locais e as bancadas na Câmara dos Deputados, ou seja, são dados fundamentais para compreender o país e para o próprio funcionamento da democracia.

Cabe registro de que o Censo deveria ter sido realizado ainda em 2020, ao custo estimado de R$ 3,4 bilhões, mas, com a pandemia e a pressão justificada pela redução de gastos, preferiu-se adiar a realização do Censo para este ano de 2021, com verba reduzida, que ficaria na casa dos R$ 2 bilhões (valor mínimo necessário para atender parâmetros técnicos aceitáveis de coleta/processamento de dados estatísticos demográficos em um país com as dimensões do Brasil). Porém, a peça orçamentária da União para 2021, recém-aprovada, reservou para o Censo a ínfima quantia de R$ 71 milhões, que mal cobre os custos da seleção dos recenseadores (tanto que tal processo seletivo acaba de ser suspenso).  

Ao manobrar o “surrupio” de 90% dos recursos do Censo, em grande medida para inflar o quinhão orçamentário destinado às emendas de parlamentares (um caso ímpar de forçosa prodigalidade orçamentária), avulta-se a falta de compromisso dos subscritores do texto do orçamento 2021 com a adoção de critérios mais técnicos (baseados em dados e evidências) para a definição das verdadeiras prioridades nacionais e para o planejamento das ações de enfrentamento correlatas, permitindo que o improviso e o clientelismo habituais continuem determinando as decisões políticas e os investimentos públicos.

Não realizando o Censo decenal, o Brasil estará abdicando da oportunidade de se enxergar no espelho (deixando de ter a exata percepção de sua realidade, da dimensão de seus problemas e de suas potencialidades), de modo que, sem esse autoconhecimento que só o Censo pode propiciar ao país, é improvável que ele consiga melhorar sua feição atual. Afinal, sem ter a visão diagnóstica e empírica das patologias socioeconômicas que estão a vitimar o povo brasileiro, quaisquer ações para remediá-las serão desfocadas e meramente tangenciais, trazendo poucos resultados efetivos e muito desperdício de recursos públicos.   

Ademais, o pós-pandemia exigirá informações de qualidade (e atualizadas) sobre a população e as dificuldades que ela enfrenta para que possam ser concebidos programas eficazes de recuperação econômica, mas, sem dispor de informações fiéis ao recorte cronológico do presente, contando apenas com os dados coletados no último Censo do IBGE realizado em 2010 (há 11 anos, quando a realidade social e econômica do Brasil era bem menos dramática), ignorar os dados reais/atualizados sobre o Brasil certamente vai nos custar mais vidas, empregos e talvez outra década perdida em relação ao desenvolvimento econômico do país.

Isto posto, causa-nos espanto que a sociedade brasileira e os agentes econômicos estejam mantendo, até então, um silêncio sepulcral (e conivente) em relação aos riscos decorrentes da não realização do Censo 2021, cabendo-lhes, o quanto antes, exercer todas as pressões e articulações políticas que posam ser feitas de modo republicano, para que o texto orçamentário venha a ser revisado, revertendo o drástico corte dos recursos do IBGE para a realização do Censo 2021, pois, de outro modo, a cegueira (talvez propositada) quanto à atual realidade do povo e da economia, deixará a gestão pública brasileira ainda mais sem rumo e sem projeto de futuro para o país.  

Dr. Evandro Borges Arantes

     

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