O Brasil já ultrapassou a marca de 13,75% do seu território reservado a terras indígenas, segundo o Painel do IBGE. São mais de 117 milhões de hectares, uma área superior a países como França, Alemanha ou Japão. E tudo isso para uma população estimada em 1,7 milhão de indígenas, de acordo com o Censo 2022.
Vamos à matemática simples: cada indígena no Brasil dispõe, em média, de quase 70 hectares de terra. Enquanto isso, milhões de pequenos produtores rurais vivem espremidos em áreas cada vez mais reduzidas, sufocados por tributos, regulações ambientais e, agora, ameaças de desapropriação.
Nos Estados Unidos, as reservas indígenas somam apenas cerca de 2,8% do território, atendendo uma população de mais de 9 milhões de nativos, segundo o U.S. Census Bureau. No Canadá, as reservas representam 0,5% do país (Statistics Canada), e na Austrália, ainda que os indígenas tenham acesso a cerca de 20% do território, o sistema é flexível, com uso econômico permitido, arrendamentos legalizados e mineração controlada. Tudo com segurança jurídica e autonomia indígena. No Brasil? Nada disso. Aqui se demarca, se isola e se proíbe. E quem paga a conta é quem trabalha.
O prejuízo vai além do campo. O Brasil tem debaixo de suas terras indígenas vastas reservas de minerais estratégicos, incluindo terras raras, essenciais para a produção de tecnologia de ponta, baterias de veículos elétricos, celulares, computadores, placas solares e equipamentos médicos. Muitas dessas áreas também contêm potencial para a produção de fertilizantes, como potássio, o que poderia reduzir nossa dependência externa e baratear os alimentos no mercado interno.
Mas nada disso pode ser explorado. O atual modelo de demarcação transforma essas áreas em zonas intocáveis, onde nem mesmo os próprios indígenas podem decidir sobre o uso econômico de suas terras. O resultado é um paradoxo cruel: um país rico em recursos, mas engessado por decisões políticas que ignoram o interesse nacional e dos próprios indígenas.
E aqui cabe uma pergunta incômoda, mas inevitável: será que esse processo desenfreado de demarcações não está sendo incentivado, direta ou indiretamente por países que concorrem com o Brasil? Países que não têm interesse em ver o Brasil se tornando um protagonista global na produção de alimentos e tecnologia? Impedir a exploração dos nossos próprios recursos, barrar o acesso a minerais estratégicos e tornar a produção rural inviável em algumas regiões não seria, afinal, uma forma eficaz de frear nosso crescimento?
Nada exemplifica melhor o absurdo do que o caso da Terra Indígena Avá-Canoeiro, no norte de Goiás. Em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto demarcando 31.400 hectares para apenas nove indígenas. Isso mesmo: nove pessoas.
Na prática, mais de 30 famílias serão expulsas de propriedades onde viviam há 50, 60 e até 80 anos, com títulos expedidos pelo próprio Estado de Goiás. Pagaram impostos, fizeram benfeitorias, criaram filhos, produziram alimentos e agora são tratados como criminosos. Essa é a tragédia da insegurança brasileira.
Enquanto o mundo clama por alimentos, energia limpa e acesso a minérios estratégicos, o Brasil assiste passivamente à entrega do seu patrimônio natural ao imobilismo, enquanto produtores são expulsos e comunidades indígenas seguem dependentes do Estado.
A tese do marco temporal é uma tentativa mínima de trazer bom senso ao caos. Defende que só sejam reconhecidas como terras indígenas aquelas que estavam efetivamente ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Qualquer coisa além disso é um convite ao revisionismo histórico e ao conflito fundiário generalizado.
Defender os povos originários é um dever constitucional. Mas isso deve ser feito com critério, não com oportunismo. Integrar, dialogar e permitir o desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas é muito mais efetivo do que isolá-las numa redoma estatal.
Hidekazu Souza de Oliveira é advogado especialista em direito agrário e ambiental
@hidekazu.adv
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