LEI ESTADUAL PODE DETERMINAR DESCONTO SOBRE MENSALIDADES DE ENSINO PARTICULAR?
A lei n° 3.682 do Estado do Tocantins levanta a discussão sobre a constitucionalidade de medidas populistas que buscam interferir no mercado privado
A pandemia trouxe novos cenários para todos os ramos de atividade, seja público ou privado. Todos tiveram que se adaptar a situações fora de qualquer planejamento feito para o ano de 2020.
Uma das áreas que mais sofreu mudanças e que pode demorar mais a se adaptar a um novo normal é a área educacional, que possui contratos de média e longa duração, possuindo uma enorme penetração na sociedade, contando com milhões de alunos e milhares de instituições de ensino por todo o país.
O impedimento de aulas presenciais obrigou as instituições de ensino a anteciparem férias, bem como a adotar, em sua grande maioria, o ensino a distância, através de aulas e plataformas online.
Contudo, apesar de uma grande modificação, o fato de ninguém ter se preparado para isso, causou uma necessidade de adaptação tanto das instituições como dos alunos, gerando despesas até então não previstas, bem como alterando a modalidade contratual de presencial para à distância.
Como essa adaptação não ocorre de forma fácil e com a qualidade que normalmente poderia se esperar de algo planejado, a reclamação por parte dos alunos e familiares sobre a qualidade e quantidade das aulas à distância bem como a ausência de uma compensação financeira em razão dessa diminuição, inundando o PROCON de reclamações, bem como, em alguns casos, gerando a busca pelo poder judiciário em busca de uma revisão contratual.
Em virtude dessa demanda, o Poder Legislativo de várias cidades e estados se moveram, na tentativa de trazer uma solução para o tema. No Estado do Tocantins foi sancionada a Lei n° 3.682 de 19 de junho de 2.020. Conforme a lei, o desconto do valor da mensalidade será de 10% para o ensino fundamental, 15% para ensino médio e 40% para o superior.
Os descontos devem durar por mais 30 dias após o término da vigência do decreto do Poder Executivo que suspende as atividades educacionais e serão cancelados automaticamente após esse prazo.
Apesar de importante iniciativa, é preocupante a interferência do Poder Público em uma situação que envolve apenas particulares. Vale ressaltar que esse precedente abre espaço para que o Poder Público possa interferir em preços de qualquer serviço ou produto comercializado na jurisdição competente.
Será que é saudável para a economia esse tipo de precedente?
Em outros casos semelhantes, o Poder Judiciário vem entendendo pela inconstitucionalidade de legislações estaduais ou municipais que busquem intervir diretamente em valores de contratos firmados entre particulares.
Os principais argumentos são os de que esse tipo de interferência ofenderia o princípio da Livre Iniciativa, previsto no Art. 170 da Constituição, bem como que trataria de matéria de Direito Civil, que só pode ser regulada pela União, conforme o artigo 22, I, da Constituição Federal.
Apesar de não ser o que a maioria das pessoas gostariam de escutar ou ler, a verdade é que se trata de mais uma lei estadual feita para atender ensejos políticos e populistas, que não se vincula com a técnica necessária, que exige uma legislação federal sobre o assunto, não tendo o Estado ou os Municípios competência para legislar sobre o tema.
Não se tem conhecimento até o momento se já houve ajuizamento de ações judiciais questionando a validade dessa Lei, mas deve ser percebido por todos o perigo que a aceitação desse tipo de interferência pode gerar em um aspecto generalizado.
A partir de um momento em que o Estado ou o Município passar a poder definir preço ou desconto a ser conferido para negociações entre particulares, acabará o livre comércio, acabará a essência do capitalismo.
Na minha opinião, não podemos correr esse risco.