DIÁRIO DE GUERRA: COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES DO CORONAVÍRUS
O COVID-19 é uma doença viral em que muitos dos grupos de risco para uma evolução desastrosa tem afinidade com fatores de risco cardiovasculares: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, obesidade, tabagismo, passado de doença aterosclerótica manifesta (exemplos: infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico). Sabemos que quanto pior a cardiopatia ou o controle desses fatores de risco, pior é a evolução dos pacientes.
Mas por que essa associação ? O vírus tem predileção não só pelo sistema respiratório, não é um resfriado !!! Se assemelha ao HIV, pois ataca diversos sistemas do nosso organismo – o já falado sistema respiratório e também gastrointestinal, neurológico, cardíaco e vascular e nesse artigo, como cardiologista queria passar para vocês quais as manifestações diretas do vírus no âmbito cardiovascular.
Mais de 16% dos pacientes apresentam arritmias, de diversas formas, essa seria a principal apresentação, mas não a mais temerosa. Temos também a miocardite viral, por agressão direta do vírus no coração, que pode levar além das já citadas arritmias ao quadro de insuficiência cardíaca e até ao choque cardiogênico, que é uma das principais causas diretas de morte por COVID-19.
O vírus também durante a tempestade inflamatória que desencadeia – talvez um dos 3 piores que conheço da minha prática clínica para isso – agride o endotélio vascular e leva à uma cascata de eventos pró coagulantes podendo gerar embolia pulmonar, acidente vascular encefálico isquêmico e infarto agudo do miocárdio. Ás vezes tardiamente na fase de convalescença, às vezes subitamente e mesmo em uso de anticoagulante em dose terapêutica – tive relatos de colegas aqui em Palmas no Tocantins com experiências nefastas com esse vírus infernal !!!
Se já não bastasse isso tudo, o estresse emocional causado pelo vírus e as complicações socioeconômicas e psíquicas diretas e indiretas também levam a gatilhos para descontrole pressórico, arritmias, eventos isquêmicos cardíacos além de transtornos psiquiátricos como de ansiedade e pânico, que mimetizam muitas vezes sintomas de doenças cardíacas (isso eu vejo todo dia no meu consultório – o “conoiavírus”),
Ainda assim engatinhamos no tratamento. Como disse no meu texto da semana passada nada com comprovação clínica perfeita. Mas caso a caso uso de anticoagulantes preventivamente ou mesmo em doses terapêuticas, medidas consagradas para insuficiência cardíaca, ajuste de anti-hipertensivos, antidepressivos, ansiolíticos, antiarrítmicos. No caso de infarto agudo do miocárdio, dada a etiologia pró trombótica do processo, há protocolos com uso primeiro de fibrinolíticos antes de angioplastia primária sendo propostos.
Vigilância com exames laboratoriais (troponina – BNP / pró BNP – d dímero), ecocardiograma, angiotomografia de tórax por exemplo ajudam muito na monitorização e condução dessa doença traiçoeira.
A decisão depende de uma avaliação cautelosa e individual do caso. Gosto de discussão com diversos especialistas que estão na linha de frente. De usar o que tem de melhor em cada protocolo proposto. Sem nunca esquecer o malefício de experimentar um número excessivo de terapêuticas não comprovadas e com risco de complicações arrítmicas por exemplo (caso da associação indiscriminada de hidroxicloroquina ou cloroquina e azitromicina) . Pois o princípio da medicina, desde Hipócrates, é “primun non nocere” – traduzindo, primeiro não lesar, e só depois tratar. Uma boa semana a todos.