Do que um mutirão de saneamento em comunidades precisa para dar certo
Não há respostas simples para problemas complexos. A premissa reflete bem o cenário do saneamento básico — sempre problemático —, no Brasil, onde cerca de 100 milhões de pessoas (ou perto de metade da população) não tem acesso a coleta e tratamento de esgoto e 35% não tem água tratada em casa.
Para resolver esse enorme gargalo, estima-se que seriam necessários de 500 bilhões de reais a 700 bilhões de reais. O problema é que o setor público não dispõe desse montante, o que torna imprescindível a atuação da iniciativa privada. O grande obstáculo: levar complexas redes de tratamento a comunidades construídas em terrenos precários e até irregulares.
Nas 100 maiores cidades do Brasil, apenas 11,7% da população destas áreas tem acesso à água e coleta de esgoto, enquanto 28,3% têm acesso só à água e 2,4%, só ao esgoto. A porcentagem de pessoas sem saneamento básico algum, sejam eles, água ou de esgoto é de 72%, segundo estimativa do Instituto Trata Brasil, em estudo sobre áreas irregulares feito em 2016.
Esse cenário pede soluções descentralizadas e inovadoras. Nesse sentido, uma iniciativa para implementar coleta e tratamento de esgoto na comunidade de Vila Moraes, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, se destaca pela relativa praticidade combinada à eficiência do processo, que garante mais de 90% de eficiência no tratamento do esgoto doméstico, superando as exigências regulatórias.
Soluções práticas já existentes, como o biodigestor, usado para acelerar o processo de decomposição de matéria orgânica, oferecem cerca de 60% de tratamento, segundo Renata Moraes, presidente do Instituto Iguá, que lidera a iniciativa junto ao Grupo Tigre e à Associação Biosaneamento.
“Como é uma solução compacta, não requer uma licença para ser instalada e, ao contrário da fossa, solução usada por metade da população brasileira, trata o esgoto na maior parte das vezes de forma irregular”, diz ela. Além disso, o processo de limpeza não oferece odor e possui baixo consumo energético (15 watt-hora por usuário), além de um custo relativo baixo (em torno de 5 mil reais por aparelho).
A instalação também não precisa de mão de obra qualificada, sendo necessário apenas cavar um buraco de cerca de um metro e meio de profundidade (veja foto abaixo).
A instalação do aparelho foi feita há três semanas e, assim que a fase de teste passar, a ideia é que a solução seja ampliada a outros moradores e também outras comunidades. Por ora, um aparelho está atendendo três casas, o que abrange cerca de 15 pessoas.
Sanea…o que?
A Vila Moraes existe há cerca de 30 anos e engloba 450 famílias em contexto de alta vulnerabilidade social. A iniciativa foi possível, porque a comunidade passa por um processo de formalização na justiça. Mas o mutirão de saneamento não consiste apenas em levar a solução à região. É preciso também engajar os moradores.
“Muitas vezes, a pessoa não entende dos riscos de se viver ali no esgoto e por isso é preciso olhar de alguém próximo dos moradores para levar essa consciência”, diz Moraes. Num país onde metade da população não tem esgoto tratado, essa falta de entendimento acaba sendo uma questão cultural. “De uma forma geral, as pessoas não sabem o caminho que os dejetos fazem ao sair de suas casas”, diz.
Nesse sentido, a parceria com a Biosaneamento foi importante, porque a associação já atua na região e conhece os moradores. O Grupo Tigre ajudou a desenvolver a parte técnica e o Instituto Iguá, por meio da Iguá Saneamento, é responsável pelo acompanhamento técnico da solução e pelo monitorando de resultados.
Moradores voluntários da comunidade que optam por se envolver nas soluções se saneamento chegam a ganhar bolsa de estudo da associação Biosaneamento, podendo, inclusive, prestar esses serviços a outras pessoas.
Onde o marco do saneamento não basta
Sancionado pelo governo em julho, o marco do saneamento promete atrair mais capital privado para o setor. A expectativa é que o mercado atraia 700 bilhões de reais até 2033.
Para Moraes, o movimento é positivo, pois deve destravar investimentos na área, além de trazer novas possibilidades de arranjos institucionais, parcerias público-privadas, “o que, por si só, é positivo, pois traz um norte para a eficiência no setor”.
No que diz respeito às comunidades de áreas urbanas e rurais ocupadas irregularmente, no entanto, não há muito o que pode ser feito, segundo as novas regras.
“Como ainda temos metade do Brasil para avançar, as companhias ainda têm espaço para crescer no modelo tradicional. Mas vai chegar uma hora que não vai adiantar colocar capital no setor, porque não será possível chegar onde precisa. Precisa haver algum tipo de disrupção para atender esse públicos”, diz Moraes.